8 | flutua part.2

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[...]
"Somos dois homens e nada mais."

— Flutua, Johnny Hooker feat. Liniker 


As ordens do despresível, mas estimado patrão de Ramiro deixaram nele um sabor amargo como o fel, mas que infelizmente o capataz ainda não sabia distinguir o porquê. Ele nunca havia sentido culpa ou medo de cumprir os tais"serviços especiais", pelo contrário, há algumas horas estava se martilizando por não ter sido chamado em um deles. No entanto, naquela tarde, depois de sua crise de identidade, depois de abrir o segredo mais íntimo de sua vida para o atual dono do Naitandei (e de seu coração), Ramiro sentiu pela primeira vez, o pesar. Embora ainda não conseguisse pensar por si só nas consequências de seus atos, algo lhe dizia que para um lugar bom ele não iria se continuasse ajudando o LaSelva. 

Com o peito carregado e dolorido, o peão dirigia sua caminhonete o mais depressa que se era possivel naquelas regiões, ansiando entrar em seu quartinho e mergulhar mais uma vez nos braços delicados, mas fortes, de seu Kevinho. 

Seus olhos brilharam com mais intensidade quando ele desligou o automóvel, descendo em disparada. Pé ante pé ele caminhava, apressado. Sua pulsação acelerando pela euforia e a ansiedade assumindo o controle. Ele estava aflito pela ordem que acabara de receber, triste pelas lembranças que tivera que desenterrar de um passado que até então pensava ter superado, e instigado a pedir para Kelvin passar outra noite com ele. 

Com as mãos trêmulas e suadas, Ramiro girou a maçaneta de seu quarto esperando encontrar atrás da porta azul, o seu porto seguro, mas o choque de realidade fez seu sorriso sereno murchar. 

A cama estava vazia. 

Um tanto atordoado, o bruto se dirigiu até o banheiro, abrindo-o devagar, na esperança de encontrar, quem sabe, Kelvin nu em seu chuveiro. Mas ele também não estava lá. 

Após procurar por todos os esconderijos possíveis dentro daquele espaço pequeno, Ramiro jogou-se na cama, derrotado, sentindo o esgotamento físico e mental tomar conta de seu corpo. Tão imerso ao próprio cansaço, o peão nem se deu conta que na mesinha ao lado de sua cama havia uma flor amarela em cima de um bilhete feito com pressa, com a caligrafia crapichada de Kelvin pedindo perdão por ter que ir embora e sugerindo um encontro de madrugada. 

Do outro lado da cidade, o bar da falecida Cândida fervia naquele fim de noite. As mesas lotadas, o ambiente preenchido por rostos conhecidos e por alguns desconhecidos também. A iluminação baixa e instigante, deixando o clima mais sugestivel junto a música sensual que tocava. Do outro lado do balcão, com o pensamento distante, um certo loiro apoiava os cotovelos na madeira gelada, repousando o rosto nas mãos. Seus olhos estavam congelados na entrada do bar, seu coração ansiando a entrada de seu agroboy. Embora estivessem juntos há menos de 5 horas, seu peito já gritava de saudades. Por mais que tentasse, Kelvin não conseguia focar em seus afazeres sem se lembrar de tudo o que Ramiro lhe dissera, das coisas horríveis que o capataz já vivera e ainda vivia. Na hora de sua apresentação, o cantor lutou bravamente contra o choro ao cantar a música 'sinônimos' dessa vez sem o seu amado. Era duro cantar sobre o amor sem o seu amor ali para lhe assistir, e ainda mais duro não saber se Ramiro tinha ou não lido o bilhete e tinha ficado bem depois tocar em um assunto tão delicado.

De pouco em pouco, as mesas cheias foram dando lugar para o vazio, a música foi ficando cada vez mais baixa e o pouco de pessoas que restara estavam embreagadas demais para se aguentarem em pé. Com o auxilio de seu sócio e de suas colegas, Kelvin pediu para que esses clientes se retirassem e com certa relutância da parte de alguns, consiguiram.  Antes de fechar de uma vez as portas do Naitandei, o loiro deu uma última olhada em volta, esperançoso, sentindo o coração apertar ao não encontrar nenhum sinal. 

AMOR DE INTERIOR | kelmiroOnde histórias criam vida. Descubra agora