ALMAS MORTAS

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MINHO

Minho observou Jisung desaparecer no meio do bosque do riacho da Cascavel, reprimindo o impulso imenso de correr atrás dele. Estava tão magnífico quanto estivera em Canaã, com a mesma alma iluminada e expressiva cintilando sob a beleza exterior. Aquilo o deixara impressionado e muito aliviado também, porque, quando recebera a notícia chocante de que a alma dele não estava no Paraíso conforme ele esperara, e sim no Inferno com Lúcifer, Minho imaginara o pior.

Foi Johnny quem contara a ele. Minho o procurara, achando que ele poderia lhe dar detalhes de como Jisung estava se saindo no Paraíso. O anjo de cabelos longos balançou a cabeça, parecendo tristíssimo ao apontar para baixo e dizer:

— Você não sabia?

Minho ficou consumido pela curiosidade de saber como Jisung — o puro, o bondoso Jisung — fora parar no Inferno, mas a pergunta que o remoía na verdade era: seria ele ainda o mesmo garoto que ele amara, ou Lúcifer conseguira destruí-lo?

Aqueles cinco minutos com ele o levaram de volta a Canaã, ao amor empolgante que os dois compartilharam um dia. Estar ao seu lado o enchera de esperança.

Entretanto... Tinha algo diferente em Jisung. Ele agora carregava uma amargura afiada que o revestia como um escudo.

— Está se divertindo? — A voz veio de algum lugar acima dele. Lúcifer.

— Obrigado por me deixar ver Jisung — disse Minho. — Agora, tire ele daqui.

Uma risada lépida sacudiu as árvores.

— Você me procurou implorando para saber em que condição estava a alma dele — disse Lúcifer. — Eu disse que o deixaria vê-lo, mas só porque você é um de meus preferidos. Então que tal falarmos de negócios?

Antes que Minho pudesse responder, o chão se abriu sob seus pés. Seu estômago revirou violentamente, uma sensação que apenas o demônio era capaz de forjar, e, à medida que despencava, Minho ponderava sobre os limites das forças angelicais. Raramente ele questionava seus instintos, mas esse — o de amar Jisung e ser amado por ele novamente —, por mais poderoso que fosse, exigiria a clemência do demônio... ou que Minho tivesse coragem de enfrentá-lo diretamente.

Abriu as asas e olhou para baixo quando uma mancha azul cresceu aos seus pés, ficando cada vez mais definida. Ele aterrissou sobre um piso de linóleo. O bosque e o riacho da Cascavel tinham desaparecido, e Minho se flagrou no meio de uma praça de alimentação de um shopping center abandonado. Dobrou as asas junto às laterais do corpo e sentou-se numa banqueta diante de uma mesa com tampo laminado cor de laranja.

A praça de alimentação era imensa, com centenas de mesas feiosas idênticas àquela. Era impossível saber onde o lugar começava e onde terminava. Uma claraboia comprida dominava o teto, mas de tão imunda, Minho não conseguia enxergar nada além da sujeira cinzenta que recobria o vidro. O chão estava lotado de lixo: pratos vazios, guardanapos engordurados, copos de plástico amassados com seus respectivos canudos mordidos. Um cheiro de coisa velha pairava no ar.

Ao redor havia as lanchonetes de sempre — comida chinesa, pizzas, asinhas de frango —, mas todas em estado de decrepitude: a de hambúrgueres estava fechada, na de sanduíches, as luzes tinham queimado, e a vitrine da que vendia frozen yogurt fora quebrada. Apenas em uma das lanchonetes havia luz. Seu toldo era negro e em letras douradas imensas se lia Aevum.

Atrás do balcão, um rapaz jovem de cabelos arruivados e ondulados, com camiseta branca, jeans e um chapéu achatado de chef de cozinha, preparava alguma coisa que Minho não conseguia enxergar. Os disfarces pós-Queda do diabo eram os mais diversos possíveis, mas Minho sempre reconhecia Lúcifer pelo calor escaldante que exsudava. Embora estivessem separados por uns 5 metros de distância, Minho teve a sensação de assar numa churrasqueira.

Unforgiven - MinsungOnde histórias criam vida. Descubra agora