JISUNG
Jisung acordou tossindo.
Era época das queimadas - sempre era época das queimadas -, e seus pulmões estavam repletos da fumaça e de cinzas do fogo que ardia nas colinas.
O despertador na mesinha de cabeceira indicava meia-noite, mas a luz cinzenta da manhã já entrava pelas cortinas brancas diáfanas. Provavelmente estava sem luz de novo. Ele lembrou-se da prova de biologia que o aguardava no quarto tempo e, logo em seguida, da infelicidade de ter trazido o livro de História por engano para casa. De quem tinha sido a pegadinha cruel de lhe dar dois livros com lombadas de cores idênticas? Agora ele seria obrigado a encarar a prova sem estudar e rezar paratirar um C.
Saiu da cama e pisou em algo quente e macio. Recuou o pé para cima e o cheiro invadiu suas narinas.
- Bbama!
O cachorrinho de pelo branco entrou trotando no quarto, achando que Jisung queria brincar. Sua mãe chamava aquele cachorro de gênio por causa dos truques que o irmão, Jeongin, lhe ensinara, mas Bbama tinha 4 anos e se recusava a aprender o único truque que realmente importava: fazer as necessidades lá fora.
- Isso é uma falta extrema de educação! - exclamou ele, dando uma bronca no cachorro e saltitando para o banheiro numa perna só.
Abriu a torneira do chuveiro..
Nada.
A água só volta às 15h, proclamava o recado que a mãe escrevera numa folha solta e prendera com fita adesiva no espelho do banheiro. As raízes das árvores do quintal estavam se enrolando no encanamento, e naquela tarde sua mãe supostamente teria a grana para pagar o encanador, pois receberia o pagamento de um de seus vários empregos de meio-período.
Jisung procurou desajeitadamente o rolo de papel higiênico, na esperança de pelo menos conseguir limpar o pé, mas só encontrou o tubo de papelão vazio. Ai, ai. Mais uma típica terça-feira. Os detalhes podiam variar, mas todos os dias da vida de Jisung tinham mais ou menos o mesmo nível dantesco.
Arrancou o recado da mãe do espelho e o usou para limpar o pé, depois vestiu uma calça jeans preta e uma camiseta preta fina, sem olhar para seu reflexo no espelho. Tentou se lembrar de algum fiapo das aulas de biologia que pudesse cair na prova.
Quando desceu as escadas, Jeongin derramava o resto de uma caixa de cereal diretamente na boca. Jisung sabia que aqueles flocos amanhecidos eram a única comida que ainda restava naquela casa.
- Acabou o leite - informou Jeongin.
- E o cereal? - perguntou Jisung.
- Também. Acabou tudo.
Jeongin tinha 11 anos e era quase tão alto quanto Jisung, porém bem mais magro. Estava doente. Desde sempre. Nasceu prematuro, e o coração não conseguia acompanhar o ritmo de sua alma, pelo menos era isso que a mãe de Jisung costumava dizer. Os olhos de Jeongin eram fundos e a pele tinha um tom meio azulado, pois seus pulmões jamais conseguiam absorver a quantidade necessária de oxigênio. Quando os morros pegavam fogo, ou seja, todos os dias, bastava ele fazer um mínimo esforço e já começava a chiar. Ele passava mais tempo em casa, acamado, que na escola.
Jisung sabia que Jeongin precisava mais que ele do café da manhã, mas, ainda assim, seu estômago roncou em protesto. Comida, água, produtos básicos de higiene - tudo era escasso na espelunca que chamavam de lar.
Ele olhou pela janela ensebada da cozinha e viu que o ônibus da escola estava indo embora. Soltou um gemido e apanhou o estojo do violão e a mochila, não sem antes verificar se seu caderninho preto estava ali dentro.
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Unforgiven - Minsung
FanfictionMinho sabe o que é tormento. Ele viveu mais no Inferno do que qualquer anjo jamais deveria. Seu mais recente martírio se chama ensino médio. E o belo anjo está ciente da ironia nisso tudo, mas não pode deixar de sentir que chegou a hora de também se...