Capítulo 4

2 0 0
                                    

Não consigo dormir direito com toda essa situação.
Não quero deixar meu trabalho.
Eu queria ser capaz de mudar toda essa situação, ser capaz de ao menos fingir que está tudo bem.
Nunca fui uma boa mentirosa.
Para piorar, uma parte minha quer mais tempo com ele. A parte que conheceu ele.
Sinto falta do menino que me cobria a noite, sinto falta do menino que penteava meus cabelos e aprendeu a fazer rabo de cavalo só pra arrumar meu cabelo. Do menino que me deu um buquê de margaridas só para realizar meu sonho de receber flores.
Me remexo na cama e encontro meu celular. Vejo notificações de mensagens. Droga, é sábado, eu tinha me esquecido.
Eu tenho uma agenda apertada. De segunda a sexta eu trabalho de garçonete em uma pizzaria da minha cidade mesmo. Nos sábados de manhã eu sou babá e a tarde dou aula de italiano. Pode parecer muita coisa, mas meu salário não é dos melhores.
Vou em direção ao banheiro para tomar um ducha.
Depois de limpa, pego um cardigan marrom, uma blusa branca e uma calça moletom velha. Escovo o cabelo e prendo em um coque desajeitado.
Não sinto interesse em comer, então vou para fora de casa, pego a bicicleta e vou até a casa da minha melhor amiga.
Artemis também trabalha como babá. Ela que me apresentou a dona Sol e o Lian. Estou cuidando dele a um ano e meio e ultimamente tenho tido medo dele não precisar mais de mim no próximo ano. Não pelo salário, mas sim porque me apeguei à ele.
Assim que chego na frente da casa de Artemis, vejo a mesma saindo da calçada onde estava sentada e vindo correndo de pijama.
_Tem como você me cobrir amanhã com a Lola? Eu preciso faltar e não posso deixar ela na mão, por favor quebra essa pra mim.
Eu não vejo muito problema em ajudar e Lola é uma criança comportada.
_Primeiramente bom dia, ou você dormiu comigo? Claro, deixa comigo. Porque não me mandou mensagem avisando?
Ela pausa um minuto e olha para as roupas como se estivesse se lembrando só agora.
_Eu dormi fora e meu celular descarregou. Acordei cedo e vim correndo para casa para esperar você passar.
Ela não está me contando tudo. Olho com um pouco mais de atenção para ela e tem algo diferente, mas agora não tenho tempo o suficiente para procurar.
_Nós vamos conversar sobre isso depois, e eu vou querer a história inteira entendeu?
Ela apenas assente. Então eu sigo meu caminho até os condomínios.
Chego em cima da hora e encontro dona Sol me esperando na porta.
Eu admiro e respeito muito essa mulher. Ela tinha só 16 anos quando teve seu 1° filho que agora está no exército. E então ela parou de se relacionar e ficou apenas no seu trabalho e em Alex. Ela tinha 3 empregos fixos. De dia ela trabalhava até às 18:00 como secretaria, das 19:30 as 23:30 ela era garçonete e nos domingos ela trabalhava em um shopping. Ela nunca foi casada e sempre se sustentou e cuidou bem de seus filhos. Sozinha.
Quando seus pais descobriram que ela estava grávida, colocaram ela para fora de casa. Ela achava que seu namorado ia acolher ela, mas ele nem assumiu o próprio filho. Sol tem uma frase que Artemis e eu chamamos carinhosamente de "grande frase de efeito da Sol", e ela diz "não dependa de ninguém para fazer o que você mesma pode fazer sozinha".  Eu trabalho aqui, na casa dela a mais ou menos 3 anos. E essa frase sempre me marcou, pela história dela.
_Oi querida, ele está lá dentro dormindo, talvez hoje eu chegue um pouco mais tarde então eu te pago hora extra tudo bem?
_Pode deixar dona Solange._Ela franze o senho para mim_Tá bom Sol.
Ela me entrega uma folha de papel e acena indo em direção ao carro.
Assim que abro o papel vejo um bilhete cair. "Ele está te esperando atrás da porta".
Dou um sorriso bobo e coloco o bilhete dentro do bolso do casaco.
Abro a porta entrando no personagem mas não encontro ninguém. Então vou até o sofá fingindo naturalidade e tiro minha bolsa e meu casaco.
Vou em direção ao quarto de Benjamin e encontro ele dormindo.
Sinto uma mão na minha cintura e outra na minha boca me puxando em direção ao corredor. A mão que estava na minha cintura me inclina de lado e me leva até a sala.
O que diabos está acontecendo?
Tento me desvencilhar e então caio no sofá.
Agarro o abajur o mais rápido que eu posso e então vejo um sujeito enorme, de cabelo bem curtinho, quase raspado.
Só pode ser brincadeira.
_Então eu te assustei? Me desculpe princesa.
_Não acredito, o que você está fazendo aqui?
Ele me puxa para um abraço apertado.
_Achei que a casa era minha também.
Eu retribuo o abraço e então nos desvencilhamos para nos sentarmos.
_Por que não me avisou que estava vindo?
_Isso tira a graça da surpresa não é?
Ele da um sorriso.
_Achei que você não ia voltar tão cedo. O que aconteceu?
_Me mandaram embora, mal comportamento.
Eu sinceramente já esperava. Por mais que ele me tratasse bem e fosse um doce com tudo e todos, ele era instável, impulsivo e raivoso.
_Isso é bem chato, sei que você estava gostando. O que sua mãe disse?
_Ela já esperava, então não se frustrou. Pra ser bem sincero, acho que a única pessoa que não esperava isso era eu.
Ele para como se estivesse tentando organizar uma linha de pensamentos e então por para fora.
_Tinha disciplina, o que era a parte mais difícil para mim, mas eu eu estava me saindo bem. Pra ser bem sincero eu estava até gostando. Se eu tivesse tido a chance, ficaria mais lá.
Escutamos o Benji se remexer na cama e olhamos para o relógio ao mesmo tempo.
_Eu tenho que ir ver como ele está.
_Eu faço o café e você pega ele certo?
Faço que sim e ele se levanta indo em direção a cozinha. Me levanto e vou até o quarto de Benji para acordar ele.
Abro as cortinas e sento na ponta da cama.
Ele já está acordado mas permanece com os olhos fechados.
_Você não vai abrir os olhos?
_Não.
Ele costuma ser mal humorado de manhã.
_Por que não Benji?
_Porque eu ainda estou dormindo.
_Então você não vai ver o coração desenhado na minha bochecha e o meu cabelo azul curtinho?
Ele arregala os olhos e da um sorriso.
_Ainda é vermelho e comprido. Que coisa feia, você me diz que não pode contar mentiras e é uma mentirosa!
Ele é meu menino de ouro.
_Ah, então você não ia gostar que eu cortasse meus cabelos ruivos?
_Não, eu gosto de você com seus cabelos bem grandes e vermelhos.
Ele levanta e pula no meu colo. As vezes eu esqueço o quão grande e pesado ele já está. Benji me abraça e passa os dedos no meu cabelo.
_Vamos tomar café da manhã?
Ele levanta do meu colo e vai em direção a cozinha. Eu sigo atrás dele e o vejo passar pela pilha de pães, café, bolachas e pelo que parecem ser, massa de panquecas, e ir em direção aos armários
Ele mexe nos armários e então pega uma caixa de cereais.
Alex me olha de um jeito acusatório.
_O que você fez com esse menino enquanto eu estava fora?
Ele vai até o irmão e pega a caixa de sua mão.
_Tá legal garotão, o que você acha de fazermos um combinado hoje?
_Que tipo de combinado?
_Hoje você come um café bem reforçado e em troca eu deixo você escolher alguma coisa para mim fazer por você ou com você, feito?
Benji encara a caixa de cereais e então olha para a mesa.
_Você vai me levar pro parque aquático hoje.
_Tudo bem, tia Larah e eu vamos te levar .
Pelo visto eu vou ter planos hoje a tarde.
_Bom, agora vamos comer, você já fez a sua cama?
_Ainda não. Vou fazer depois do café.
_Nada disso, vai logo, a gente te espera, enquanto isso eu termino as panquecas.
Ele bufa e vai em direção ao quarto.
_Não acha que está pegando pesado com ele?
_Nah, para falar bem a verdade, eu queria que tivessem pego pesado comigo.
Alex nunca teve uma vida fácil.
Ele também não facilitava para si próprio.
_Eu senti sua falta.
Do nada?
_Também senti a sua. Não tinha mais ninguém para me levar para a escola.
Nós dois rimos com a lembrança.
Foi uma época especial, não posso negar. Mas não sinto falta dela. Foi essencial, mas isso não a torna boa. E eu fico grata por ter tido o Alex naquele momento.
Pena que as coisas saíram do controle.

  16_20 Onde histórias criam vida. Descubra agora