Capítulo 2

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  Depois de sair tomada por raiva e uma onda de pensamentos nada agradáveis, vou para minha casa.
Sempre foi ela.
Ou,
Sempre foi ela?
Me forço a entrar em casa sorrindo. Meus pais estão deitados no quarto deles. Ouço o barulho do chuveiro, minha irmã provavelmente deve estar tomando banho. Vou até a geladeira e pego uma garrafa de água, dou um gole enorme. Não tem nada pronto para comer, então me dirijo até meu quarto. Pego uma toalha limpa e um conjunto de roupas íntimas rosa, então começo a procurar meu pijama. Encontro a calça branca com listras verdes, e saio do meu quarto. Espero Lulu sair do banheiro. Vejo 3 chamadas perdidas de Lipe, não sei se quero falar com ele agora.
Minha mãe sai do quarto dela e vem falar comigo.
_Voltou cedo, como os meninos estão?_Ela faz uma pausa para me examinar_Não vejo Felipe à algum tempo, ele não vem muito aqui dês de que começou a estudar integral, achei que você ia sentir mais a falta dele, para ser bem sincera, eu achei que você estava muito dependente dele, isso me deixou preocupada, mas você lidou bem com a situação.
Queria poder contar com ela para mais coisas, poder admitir que eu estava sim com saudades dele e que ainda sentia a falta dele, mas não seria justo com o próprio Lipe. Ele tem se esforçado tanto para manter as coisas normais e tentar passar o máximo de tempo comigo. Admitir que as coisas mudaram muito e que sinto a falta dele seria desvalorizar o empenho dele, e não acho justo.
_É, eu acreditava que as coisas mudariam muito_Forço uma risada amigável_Mas está tudo indo bem.
Não quero manter uma conversa sobre isso. Não sou boa com mentiras, muito menos quando se tratam de sentimentos.
Ela me olha por um momento e então vejo seu olhar se voltando para a janela.
_Nossa, Heitor cresceu muito bem não é?_dispara ela, antes que eu possa me virar.
Quando me viro, ele está nos olhando pela janela da sala de estar. Minha mãe se apressa para gesticular para ele entrar pelo portão. Quando ele o faz ela dispara pela cozinha para chegar até a porta. Ele sempre foi o preferido dela entre os meninos.
É estranho ver aquela mulher frágil de 1'60 abraçando aquele homem de 2'00 metros de altura. Nesse momento se torna difícil de lembrar que ela já carregou aquele homem enorme no colo.
_Você prometeu que viria me visitar mais vezes depois que se mudasse!_ minha mãe nunca foi apegada ou sentimental com alguém que não fosse eu ou minha, mas ela sempre teve um carinho muito grande por Heitor._ O que uma mulher da minha idade tem que fazer para ter um pouco de atenção das suas crianças?
Ele ri e a abraça de novo. Ele sempre teve muito carinho por ela e por meu pai.
_Me desculpe mãe,_Dês de que éramos crianças ele reconhece minha mãe como uma figura materna e meu pai como seu próprio pai. Heitor nunca teve um bom relacionamento com seu pai, ele trabalhava muito para sustentar os dois, e tudo ficou mais difícil com o divórcio. Ele quase nunca via sua mãe. Ela os havia deixado quando ele era muito pequeno, e ele nunca superou bem isso. Meus pais eram muito amigos do pai dele, e criaram ele aqui em casa por uma parte de sua infância. Éramos amigos, até ele ir para o ensino médio, quando ele começou a namorar.
Eu tinha uma queda enorme por ele, e quando ele apareceu com outra menina eu fiquei devastada. Quando minha mãe descobriu que ele estava namorando, fez um almoço e chamou ele, o pai dele e a namorada. É assim que o mundo de uma garota de 11 anos acaba. Eu tentei ao máximo mostrar que estava tudo bem. Passamos o dia de um jeito agradável, conversando e até rindo. Ela precisava ir embora mais cedo, e Heitor se ofereceu para levar ela para casa, então eles se despediram e foram embora. Mais tarde ele voltou aqui e pediu para minha mãe o que ela tinha achado dela. Eles conversaram por horas.
Quando deu 00:00 eu ouvi uma batida na porta do meu quarto. Era normal ele ficar até tarde ou dormir aqui, porque a casa era praticamente dele também. Eu mantive silêncio na esperança dele achar que eu estava dormindo, então ele abriu a porta e acendeu a luz.
_"Eu sei que você não está dormindo, pode me contar o que aconteceu".
Eu odiava o jeito que ele me conhecia bem. Me sentei na cama e acendi o abajur. Ele apagou a luz do quarto e  caminhou para se sentar na minha cama junto comigo.
_"Você não sabe mesmo ou finge?_ me forcei a dizer. Ele manteve silêncio com a expressão confusa, indicando que eu devia continuar falando.
_"Eu gosto de você, muito, não é só como um amigo". Essa foi a 1° e última vez que eu admiti meus interesses românticos.
_"Acho que você está confusa e com ciúme, você é muito nova, talvez tenha medo de mer perder, ou que eu vá ficar distante de vocês agora".
Lembro-me muito bem da sensação das lágrimas se aproximando.
_"Eu não estou confusa, para de me tratar como um bebê e uma vez na vida para de tentar descrever os meus sentimentos como algo idiota!"
Eu não consegui me segurar. Eu não me importei se ele ia me ver chorar ou ter mais motivos para me chamar de bebezinha. Eu senti seus braços me envolverem e me apertarem contra seu peito.
_"Me desculpe, eu não tinha a intenção de te magoar". Ele me soltou para secar minhas lágrimas e então olhou fundo nos meus olhos. Eu senti que ele tinha me visto de verdade, tinha visto tudo de mim naquele momento. Era como se todos os nossos anos de companhia fossem só uma coisa rala comparada a profundidade do jeito que nos olhamos naquele momento.
Malditos olhos castanhos complexos de mais para descrever.
Ele se aproximou de mim. Chegou perto a ponto de nossos narizes encostarem. Eu podia sentir sua respiração batendo na minha bochecha. Natural e delicadamente, ele me beijou. Até os dias atuais eu mal consigo descrever a sensação que me corrompeu. Eu não me senti apenas no lugar certo e na hora certa, senti como se estivesse com a pessoa certa.
E foi assim que ele levou meu 1° beijo.
Ele se afastou de mim com a expressão em choque. Então Heitor se levantou e foi embora. Não trocamos uma palavra depois disso. Até o ano passado...
_o trabalho e a faculdade estão usando a maior parte do meu tempo, e eu não vinha passar um fim de semana na casa do meu pai há muito tempo._ Pela primeira vez dês de que chegou aqui ele olha para mim. Ele apenas acena com a cabeça._ Eu senti saudades da sua comida maravilhosa!
Ambos dão risada.
_Ah, só dá comida?_Brinca minha mãe.
Bom, acredito que minha irmã já tenha saído do banho a essa altura, então eu me dirijo para o banheiro.
Lavo meu cabelo, na intenção de demorar um pouco mais no banho. Enrolo mais do que o necessário, até que escuto a porta de casa batendo.
Me seco e coloco uma calcinha rosa junto com o top branco com renda rosa do conjunto que tinha pego antes dele chegar, coloco a calça do pijama então. Abro a porta do banheiro enquanto passo a toalha no cabelo para secar e vejo Heitor sentado na sala com a minha mãe e meu pai conversando.
Eu não tinha reparado em como ele está bonito. Ele sempre foi bonito, mas agora está beirando a perfeição!
O cabelo castanho escuro está cortado de um jeito social que lhe cai muito bem. Seu rosto não mudou muito. Sempre gostei do maxilar definido e de suas covinhas, mas a minha parte preferida do rosto dele eram os olhos escuros. Os mesmos olhos que me olharam de verdade antes de levar meu 1° beijo...
_Bela escolha de roupas._ Diz Heitor em um tom casual.
Droga Heitor.
Sinto minhas bochechas corarem e vou para a cozinha preparar alguma coisa para comer. Consigo ouvir ele conversando com meus pais, mas ignoro. Abro o armário velho, pego um prato e coloco em cima do balcão da pia, então vou até a geladeira e pego pão, presunto e queijo para montar um sanduíche. Antes de que eu consiga terminar, percebo que não estão conversando mais, estão cochichando. Me aproximo da parede que faz divisa entre a cozinha e a sala para tentar ouvir alguma coisa.
Eles estão falando muito baixo.
Depois da minha tentativa de ouvir o que estavam falando ter falhado miseravelmente, volto para o sanduíche. Termino ele e guardo as coisas nos seus lugares novamente. Coloco o sanduíche no prato e vou em direção ao meu quarto.
_Larah, pode vir aqui um minuto?_Pede meu pai._Precisamos ter uma conversa.
Eu não quero conversar. Não com ele ali. É frustrante, me sinto vulnerável com ele aqui, e ele sabe disso.
_Mal sei por onde começar, sua mãe sempre foi melhor em iniciar conversas, acredito que ela é a melhor pessoa para fazê-lo_ Ele olha para ela e recebe um olhar mal humorado da própria direcionado a ele.
_Bem, eu e seu pai estamos preocupados com você aqui. Sabemos que não é bom para você ficar isolada desse jeito Larah!
"Queríamos dar uma chance, para ver se era passageiro, sabe, só uma fase, mas você fica mais distante dia após dia. Você sempre teve dificuldade em socializar, sempre soubemos, mas dês daquela briga que você se meteu, seu pai e eu nos preocupamos cada vez mais. Então chegamos a conclusão de que seria melhor você tentar uma coisa nova, mais radical."_Ela faz uma pausa e olha para Heitor. Ele segura a mão dela em um gesto encorajador.
_Seu pai e eu decidimos que poderia ser bom você terminar a escola em outra cidade. Para conhecer pessoas novas, começar do zero.
Isso não é nem de longe uma coisa boa. Se aqui já é ruim, imagine se eu ter que construir tudo de novo e falhar miseravelmente?
_E onde é que eu vou morar?
Tento argumentar.
Heitor olha para mim e diz
_Comigo.

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