Capítulo 1: Desamparo

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Olá, meu nome é Cerveja. Eu costumava viver em um lar, um refúgio seguro e caloroso, onde me sentia verdadeiramente especial sob a tutela de um dono amoroso. No entanto, o destino, com seu acaso impiedoso e assombroso, decidiu atormentar minha vida, transformando-a em um conto cinzento e sombrio de dor e sofrimento. Vi, de repente, minha casa se transformando em um inferno, literalmente.

Era uma noite serena; meu tutor estava acompanhado de uma garota, envolvidos em rituais humanos incompreensíveis para um felino como eu. Nunca entendi o real intuito deles se morderem tanto daquele jeito, mas por alguma razão, insistiam nisso. A casa estava com todas as luzes desligadas, apenas uma vela sob a mesa de centro; os dois desprendiam os panos um do outro, se debatiam. Tentei, inocentemente, ajudar, imaginando que aquelas pulgas malditas os atrapalhavam, mas Henrique me espantou. A rejeição do meu gesto generoso, por parte dele, me entristeceu profundamente. Busquei diversão na janela da cozinha, provocando o bobão do cachorro da vizinha, enquanto meu humano se ocupava com aquela tal garota.

Após algum tempo, voltei para conferir se a diversão dos humanos havia se esgotado. Encontrei-os adormecidos no sofá, oferecendo-me a oportunidade perfeita para me juntar ao lado deles. De uma hora para outra, um cheiro estranho e um berro feminino romperam a paz. Minhas memórias tornaram-se nebulosas; senti tontura, uma luz intensa e quente consumia o local. Miei alto, o mais alto que pude e essa foi minha última memória, a única coisa que senti foi algo tomando meu corpo. Quando despertei, me deparei com a pior situação da minha vida; eu estava no meio da rua, completamente sozinho e perdido. Cadê Henrique e a moça? Onde estou? O que diabos aconteceu? Foram perguntas que flutuavam em minha mente, seguidas por pensamentos mais básicos. A fome e sede martelavam, e diante da incerteza, indagava a mim mesmo: Para onde vou? O que faço agora?

Sem tempo para lamentar o leite derramado, busquei desesperadamente saciar minha fome. As ruas, agora meu único domínio, estendiam-se diante de mim como um labirinto frio e impiedoso. Cada passo era um desafio, uma nova tentativa de encontrar algum alento em meio à desolação. Meu olfato aguçado guiou-me pelas ruas à procura de qualquer resto que eu encontrasse, qualquer migalha. Assim, conheci humanos horríveis que gritavam e me atiravam pedras ao mínimo sinal de subir em suas lixeiras. Fui andando cada vez mais para longe dessa gente. Observando tudo atentamente, a rua até que começou a ficar maneira, eu podia fazer o que quisesse sem ninguém para mandar em mim ou na minha comida. Bom, eu só tinha que encontrar esse alimento, mas isso era só um detalhe. Mesmo depois de muito caminhar, eu ainda não tinha encontrado sinal algum de ao menos migalhas, nem água, nem mesmo outros gatos ou de como voltar para casa; foi aí então que eles apareceram.

Como todos sabem ou deveriam saber, as ruas são tomadas pelos cachorros, e esses bobalhões não gostam nem um pouco de conversar. Com eles funciona da seguinte maneira: você é um gato, e eu sou um cachorro, e só isso já é motivo o suficiente para eu te atacar. Olhe só como esses idiotas têm a mente pequena. Pois bem, já estava me adaptando à nova rotina, nem mesmo pensar tanto no meu humano eu pensava, aquela rua era muito bonita, e eu admirava aquelas casas coloridas, os postes enfeitados. Nem me dei conta da matilha de manés na minha frente, mas eles me notaram:

— Garotos, peguem aquele bichano ali! — Resmungou o líder deles.

— Hoje você vai virar patê, gatinho. — Disse um lacaio.

Minha única reação possível foi correr. Corri o mais rápido que consegui, me esgueirando por de baixo dos carros, utilizando cada fenda e esconderijo que as ruas ofereciam. O som de patas pesadas ecoava em minhas costas, indicando que a perseguição estava implacável. O meu coração pulsava descontroladamente, enquanto a adrenalina se misturava ao desespero. Em meio ao labirinto urbano, saltei sobre caixotes, contornei esquinas, tudo na tentativa frenética de escapar daqueles que agora me viam como uma presa fácil. Os pulguentos continuavam determinados em minha cola, e de suas bocas, prontas para me abocanhar, escorriam nojentas salivas. O sol ardente ao centro do céu indicava que o dia estava em sua metade, e minha fuga me deixava ainda mais fadigado e faminto, minha agilidade se tornava, no momento, a única aliada. Em dado momento, depois de muito me esforçar para tentar despistá-los, me vi cara a cara com um beco sem saída.

— Fim da linha para você, amiguinho. HAHAHA. Não vou mentir, você até que deu um certo trabalho, mas o seu fim vai ser igual ao de tantos outros malditos felinos que se atreveram a passear pelas MINHAS ruas.

— É chefe, ele vai acabar igual o Kenny. — Diz um dos capangas.

— Mas Billy, a gente nunca capturou um gato antes, muito menos com o nome de Kenny. — Um cachorro de pelos cinzas e língua de fora comenta com um dos seus parceiros.

— CALA A BOCA, PATETA! — Gritam em uníssono.

— Desculpa, eu achei que tivesse falando baixo. — Ele abaixa a cabeça enquanto faz um barulho de choro.

Enquanto estavam discutindo entre eles, eu analisava uma maneira de tentar contornar aquela situação, mas era praticamente impossível, já que eram em sete sarnentos safados. Foi então que ele surgiu do fundo das trevas do beco aterrorizando a matilha com o seu feroz rugido.

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Gato CervejaOnde histórias criam vida. Descubra agora