O único hit de sucesso da cantora sertaneja Vica Boiadeira foi "Beijão de Língua". Porém, depois de confirmar que tal música nunca mais entraria em seu repertório, toda sua fama foi por água abaixo.
Agora, tudo o que lhe resta é Bruno, o seu assesso...
A limusine caberia facilmente dez pessoas, ou onze se alguém caísse bêbado no chão, porém, só haviam três, contando com o chofer.
O revestimento em camurça dos bancos eram tão vermelhos quanto o vinho na taça de Vica. Ela se ajustava para não derrubar a bebida na calça jeans ou na jaqueta de couro cheia de franjas. Precisava estar pronta para quando os pappazzis começassem a aparecer.
— Às 18 horas de amanhã você vai ter uma entrevista com o Mais Mais — disse Bruno, o assessor.
— Aquela revista meia boca que tem um queijo na logo?
— Exatamente, posso desmarcar se quiser...
— Não, eu vou fazer. — Ela bebericou outro gole do vinho, não era dos melhores. Talvez estivesse bebendo um Cabernet chileno se não tivesse gastado tudo com a limusine.
Fazia tempo que não desfrutava mais da riqueza como antes, e o motivo disso era que não tinha mais riqueza. O apartamento no Leblon de frente para a praia estava com 3 aluguéis atrasados e uma ordem de despejo, igual a mensalidade da academia, da qual ela não conseguiu entrar depois que a carteirinha foi dada como recusada.
— Calma aí, eu disse que vou pagar — ela gritou em prantos para a atendente.
— É, você disse isso no mês passado, e no outro, e no outro também.
Suas únicas entrevistas agora eram em canais de qualidade duvidosa, aqueles tão pequenos que nem as tias do sofá assistem. Era como se a grande Vica Boiadeira dos anos de ouro tivesse sido esquecida, falida aos 25 anos... que maravilha. Tudo por causa de uma música; maldito Beijão de Língua.
Mas para sua sorte, as coisas pareciam estar mudando. Depois do fiasco do show de 2022, o ExpoRural de Mato Grosso a havia dado uma nova chance. Óbvio que não era a atração principal da noite, mas já valia a pena. A última oportunidade de sair do limbo, não podia desperdiçar.
Quando já estavam prestes a chegar, Bruno arrumou os cachos pretos de Vica com uma escova de cabelo. O balançar do automóvel atrapalhava enquanto ele passava a máscara nos cílios dela, o que quase causou um acidente gravíssimo.
— Chegamos! — gritou o assessor. — Pronta?
— Eu já nasci pronta.
O vidro fumê atrapalhava a visão do que tinha do outro lado da janela. Mas já podia imaginar, afinal, era a volta triunfante de Vica nos festivais de sertanejo. Podia não ser como há alguns anos atrás, mas com certeza devia ter fãs enlouquecidos. Camisas com o seu rosto, cartazes, posters e mais posters para autografar.
Mas quando o chofer abriu a porta, não havia ninguém do outro lado. Nenhuma alma para contar história.
— Talvez estejam todos lá dentro — sussurrou Bruno, segurando a prancheta rente ao peito. A luz dos postes que iluminavam a noite deixavam o cabelo platinado do homem ainda mais branco.
— Tomara — respondeu Vica, acenando para o chofer. — Vamos entrar logo, antes que alguém veja.
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