Capítulo 3: Festival de morte

6 2 0
                                    

  Acordei no quarto de Jessy, nu e apavorado com um grito estridente que vinha da cozinha. Vesti minhas calças rapidamente e corri o mais rápido que eu pude até o local. Mary havia se assustado com uma aranha gigante sobre o fogão a lenha.

  Todos os demais já tinham ido ao socorro da senhora, então eu voltei para o quarto pegar o resto das minhas roupas. Foi então que eu vi Philipe, o advogado da família, conversando com Jessy dentro da biblioteca. Eu tinha me esquecido completamente dele, pois ele não veio conosco no dia anterior. Ela estava com um semblante apavorado e quase chorando. Tentei me aproximar, mas ele fechou a porta antes que eu chegasse perto.

Fui ao quarto e me vesti, pronto para voltar a pousada e pegar os meus mapas. Mary ainda estava assando pães, então me pediram para esperar pela refeição, que seria pão fresco com molho de carne. Se eu não aguardasse, teria que andar umas três horas, então não tinha escolha. Sentei do lado de fora da casa e comecei a ler o diário do meu avô. Folhava cada página tentando achar algo que possivelmente não me recordava. Eu sabia que teria que subir até o rio negro e depois dali haveria pouca trilha até o último local que meu avô foi. Ou que pelo menos, foi encontrado.

O meu velho era um homem muito sábio, mas não media as consequências de suas aventuras. Ele buscava três talismãs indígenas que até onde se sabe, místicamente, podiam fazer aparecer um anjo ou demônio, que devorava os inimigos das tribos. Ele encontrou um destes talismãs e depois disso se tornou obsecado a encontrar os outros dois. Sabendo que criaturas aladas em forma humana são algo culturalmente europeu- religioso, acreditava-se que essa lenda surgiu após os jesuítas. Porém não. Há registros em pedras e muros pintados dentro da Amazônia que datam mais de dez mil anos, o que destruiu a minha teoria. O vovô buscou por esses talismãs por mais de vinte anos e encontrou o primeiro em um museo em Londres. Uma peça vendida do governo português ao britânico, há pelos menos 100 anos. Depois de muito tempo juntando provas, arquivos e contratando bons advogados, meu avô pode se apossar da peça pelo período de cinco anos. Para fins de estudo. Há dois anos ele morreu sem conseguir acabar sua pesquisa e eu tenho esse ano para achar os demais talismãs e levá-los a público através de museus. Acredito firmemente que vou conseguir. Ele estava muito perto de achar o segundo, em um santuário por aqui.

Enquanto eu relia várias vezes os mesmos textos e analisava cada imagem que meu avô deixara para mim, Jessy se aproximou sem eu notar.

— Bom dia. O que está fazendo? — Ela perguntou sentando ao meu lado.

— Revisando a pesquisa do meu avô enquanto Mary termina a comida. Como você está? — Eu sorri e a olhei nos olhos.

— Muito bem fisicamente. Mas tive notícias ruins. Meu último primo vivo, que estava desaparecido, foi encontrado morto ontem pela manhã. Parece que já estava há muitos dias. Agora sim, só existe eu, a última Heatherfield.

— Eu sinto muito. Por que você acha que mataram toda a sua família? Vingança, dinheiro, o que?

— Primeiramente achávamos que era dinheiro, mas todos os primos e até meus pais foram mortos. Então a briga seria entre os irmãos. Quando os empregados começaram a morrer também achamos que era algum tipo de retaliação, mas nunca ouve uma carta ou um motivo. Só há mortes e mortes. Esse ou esses assassinos conseguiram matar toda a minha família e nunca sequer deram a entender o que queriam. A tentativa de Guiller e Phillipe de me trazer para longe pode até ser boa, mas se eles quiserem o meu dinheiro, viram atrás de mim... Onde quer que eu esteja...

Eu vi a tristeza em seu rosto, mesmo estando de cabeça baixa e chorando. Ela estava abalada e com razão. Tentei consolá-la com carícias no rosto e alguns beijos, mas logo fomos interrompidos por Philipe, que parecia com muita raiva de mim.

— Eu não te trouxe para o Brasil para você arrumar um namorado, miss Heatherfield! Sua vida corre perigo e você está aí se divertindo? — Philipe descarregou as palavras sem pensar direito.

— Eu e o senhor Nogueira estamos nos dando muito bem. Ele é tudo o que eu preciso agora. Não se preocupe tanto com meu corpo. Se preocupe com o seu trabalho, que é administrar minha fortuna.

— Calma lá, meu amigo! Fique tranquilo, eu gosto muito da Jessy. Vou cuidar mais dela do que você, tá bom! — Respondi me levantando imediatamente com a chegada dele. Peguei na mão dela e o encarei com um sorriso sínico no rosto. Era perceptível que a amava e que eu estava atrapalhando qualquer plano que ele tivesse para com ela.

Ele não respondeu nenhum de nós dois, simplesmente saiu pisando duro para dentro do seu carro e se foi.

— Me desculpe por isso. As vezes eu acho que ele gosta mais de mim do que aparenta. — Jessy suspirou e abraçou o meu peito.

— Não se preocupe com ele. Está tudo bem.

— Lucas. Fica aqui no casarão comigo? Faça dessa casa sua base de pesquisas. Use meus homens para suas buscas, mas não fique longe de mim. Com você eu me sinto segura.

— Está bem. Será um prazer imenso ficar com você. Mas eu preciso ir buscar as minhas coisas na pousada de qualquer forma.

— Posso ir junto? Quero falar mais algumas coisas com Philipe antes dele ir embora do Brasil. Além disso, hoje virão reestabelecer a energia elétrica da fazenda e isso aqui estará uma bagunça. Não quero atrapalhar os serviços.

Acenei que tudo bem e depois que comemos, Saulo nos levou até a pousada e ali soubemos que haveria uma festa a noite. Decidimos que ficaríamos ali para a tal festa e que voltaríamos na manhã seguinte. Tivemos tempo para tudo. Ela conseguiu resolver todos os problemas do casarão. Contratou encanadores, eletricistas e muitos outros. No total, mais de vinte homens seguiram a caminhonete de Saulo até o casarão. Em seus próprios veículos e sobre a carroceria de um caminhão velho. A noite Philipe já tinha ido embora dali rumo a Manaus. Saulo voltou para a festa e ficamos nós quatro(Eu, Jessy, Saulo e Gilberto, o segurança) bebendo e conversando aleatoriamente sobre o que víamos.

As mulheres dançando com seus cocares grandes e suas peles bem pintadas. As crianças seminuas tocavam instrumentos e corriam com guloseimas nas mãos. Os homens otimamente dançavam circulando uma fogueira e os estrangeiros como nós se aconchegavam em mantas espalhadas pelos cantos do pátio de terra batida. O álcool já começava a afetar nossas mentes quando uma fumaça começou a ser espalhada pelos cantos. Estavam queimando algumas folhas de cannabis dentro de incensarios e logo começou a surtir efeito nas pessoas. Eu nunca tinha participado de algo assim. Só tinha ouvido falar dos rituais indígenas. Não conseguia mais ficar de pé, de tão bêbado e drogado. Então me encostei e fiquei olhando tudo o que acontecia ao meu redor. As danças pareciam mais lentas e a fogueira cada vez maior. Jessy se levantou para ir ao banheiro duas vezes e na última delas eu já estava quase apagado. Decidi ir para o quarto e aos tropeços e risos fomos os dois. Quando cheguei, me atirei na cama e simplesmente apaguei.

No outro dia pela manhã, Jessy estava deitada sobre o meu peito. Nosso cheiro era muito forte de bebida e estávamos sujos de lama até no rosto. Saulo batia desesperado na porta. O corpo de Gilberto foi encontrado dentro da mata, com as tripas picoteadas, já sendo devorado por animais selvagens. Seu pescoço estava perfurado com um canivete que ainda se mantinha no mesmo lugar e seu punho direito estava quebrado. Jessy entrou em pânico e começou a chorar de desesperada.

— Ele me achou... Eu vou morrer... — Ela gaguejava.

Horror Na FlorestaOnde histórias criam vida. Descubra agora