Capítulo 2: A desventura dos Heatherfield

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  Acordei com os murros do índio dono da pousada em minha porta. Tudo normal até aqui. Ele me avisava que o café da manhã estava posto e que todos deveriam descer para comer. Dei um grito informando que já desceria enquanto tentava abrir meus olhos para o novo dia.

  No relógio eram cinco horas da manhã. Obviamente que fazia muito tempo que eu não despertava tão cedo com um índio batendo na porta do meu quarto. Ah! Sim, nunca me ocorreu antes. Lavei o rosto e troquei de roupa rápido. Desci as escadas e aparentemente faltava só a minha pessoa para a refeição, pois todos me olharam prontamente quando eu apareci na porta daquela sala. Cumprimentei a todos, envergonhado, e me sentei em uma das cadeiras que ainda estavam vazias. Nisso o índio chamou suas muitas filhas, acho que eram onze, e todas elas começaram a servir as mesas. Inclusive a menorzinha de cinco anos. A comida era bem "metropolitana", pois já nessas alturas eu esperava algo regional.

Peguei um pão e passei manteiga, sem perceber que a europeia estava trocando de lugar com a pessoa desconhecida sentada ao meu lado. Assim que ela o fez, cortou um pedaço de bolo a sua frente e começou a comer.

— Achei que mulheres não comiam doces pela manhã... — Puxei assunto.

— Logo se vê que você não entende muito sobre mulheres. Comemos o que quisermos na hora que quisermos. — Ela respondeu sorrindo.

Eu ri com ela e fiquei sem graça pela gafe.

— Eu sou Lucas, muito prazer.

— Eu sou Jessy, igualmente.

— O que você está fazendo nesse final de mundo, Jessy?

— Meu avô foi um colonizador filho da puta. Ele tinha um casarão por aqui, então eu vim morar nele.

— Deve ser o Casarão Marfim. Aquele subindo ao norte, onde muitos índios foram escravizados, mortos e vendidos como objetos sem valor.

— Isso, esse mesmo. A fazenda é enorme. Quero transformar aquele cemitério fodido em algo bom.

— Todas as britânicas falam tão bem português e palavrões como você ou isso é um dom particular?

Ela riu e ficou sem graça. Se serviu de café preto, deu um gole e se voltou para mim.

— Você realmente não leva jeito com as mulheres. Não é? Minha mãe era brasileira e foi com ela que aprendi o idioma.

— Bom... Meus pais também são brasileiros, por isso entendo você perfeitamente!

Verdade. Eu sou um idiota com mulheres. Sou mais hábil com mulheres mortas ha muitos séculos. Daquelas que me deixam tocar em seus ossos e levar suas jóias para algum museu. Eu tremia e por mais gentil que ela estivesse sendo comigo, mais nervoso eu ficava. Então Saulo apareceu para me salvar... Ou não.

— Ora, ora. Vejo que seguiu meu conselho, senhorita Hongfilde. — Saulo se sentou na cadeira vazia a nossa frente.

— Heatherfield! — Jessy riu. — Me chame de Jessy, senhor Saulo. Não me importo.

— Ah, bem mais fácil para mim! Eu sou um pouco ignorante em nomes estrangeiros, hehe. Então, o que achou do Lucas? — Saulo sorria para ela.

— O que está acontecendo aqui? Que história é essa Saulo? — Perguntei sem entender nada.

— Saulo me contou sobre você. Seu avô iria ser meu mentor no próximo ano, se estivesse vivo. Que Deus o tenha! Então ele sugeriu que fossemos amigos.

Agora que um pouco fazia sentido, fiquei triste porque achei que ela estava interessada em mim. Mas foi apenas um capricho do destino e gentileza dela se aproximar. Jessy era uma moça extremamente bonita, de olhos absurdamente azuis que podiam hipnotizar alguém com facilidade. Terminamos o café nós três. Muitas coisas foram faladas sobre meu avô e suas pesquisas. Jessy estava cursando história e pretendia fazer paleontologia em breve. Conheceu meu avô em Londres e ficaram ligeiramente amigos. Sua família o havia contratado para mentorá-la, mas ele não pode cumprir o acordo.

As índias vieram e começaram a nos expulsar, pois precisavam limpar o local para a próxima refeição. A moça me convidou para ir com ela até o casarão, pois sua estadia ali se baseava no quão abandonado poderia estar a fazenda e eles não queriam que ele passasse alguma necessidade ao chegar no Brasil.

Aceitei. Fomos de carro por uma estrada cheia de barro e levamos uma hora para chegar lá. A primeira porta dava para um hall amplo, com uma escadaria bonita para o andar superior. Mas tanto a escada quanto o assoalho estavam mofados e corroídos por cupins. Não preciso nem falar das teias de aranhas. Ali podia-se ser considerado um santuário aracnídeo de tanto exemplares diferentes.

Sem nenhuma surpresa me tornei parte do time da limpeza e já era tarde da noite quando conseguimos deixar três quartos, cozinha, um banheiro limpos o suficiente para serem usados. A casa era enorme e levaria dias até que tudo estivesse limpo. Os seguranças estavam exaustos e mal trocamos palavras durante o dia. Já Guiller, o mordomo, me deu muita atenção e conversamos muito. Ele era senegalês e nasceu escravo, mas a mãe de Jessy lhe deu alforria assim que ela se tornou dona dele. Ele me disse que haviam alguns lugares ainda na Europa que mantinham a escravidão e que ele foi um presente para senhora Heatherfield assim que ela engravidou do primogênito. Ele tinha quatro anos na época e se tornou um irmão mais velho, pois sua senhora se afeiçoou a ele e o tratava igual ao seu filho. Quando o sogro faleceu, Guiller tinha treze anos e foi rapidamente alforriado, assim como todos os outros escravos da família. A maioria, sem ter pra onde ir, decidiu ficar e trabalhar por um salário, incluindo ele. Mesmo assim, o senhor Heatherfield lhe pagou os estudos, viagens e lhe deu muito além do que ele esperava, mas ao contrário da sua esposa, nunca conseguiu vê-lo como um filho e sim alguém querido pela família. Quando ele tinha dezesseis anos, a matriarca deu a família mais um herdeiro, e no ano seguinte outro e dois anos depois nasceu Jessy, a caçula. Ele se afeiçoou muito a pequena e pediu para se tornar mordomo na casa só para ficar perto dela. Além disso, sua patroa lhe fez padrinho da menina.

Mas nem tudo eram flores. No aniversário de trinta anos de Pedro, o mais velho, uma tragédia abalou a família. O senhor e a senhora Heatherfield foram encontrados degolados em seus aposentos. Apavorados, contrataram muitos seguranças e colocaram proteção e cães de guarda na casa, mas nada parou os assassinos. Pedro foi assassinado um ano depois, afogado dentro da banheira. Isaque, o segundo filho, foi encontrado com uma faca enfiada no pescoço seis meses depois. Sibila, a cozinheira da casa foi encontrada com a cabeça queimada dentro do forno alguns meses depois. E assim várias pessoas forma morrendo e a família se tornou maldita. Ninguém queria trabalhar com eles e também perderam muitos amigos. A polícia não achava pista nenhuma de quem estava comentendo esses assassinatos, então eles decidiram viajar para o mais longe possível, para salvar a vida de Loen e Jessy. Mas alguns dias antes de virem ao Brasil, Loen, o último filho, foi encontrado sem os olhos e afogado em veneno dentro do próprio quarto de hotel.

Depois de descobrir tantos horrores fiquei apavorado. Tanto pelo quanto Guiller chorava ao lembrar dos mortos quanto pela forma que conheci Jessy. Ela não parecia abalada com tudo o que aconteceu. Ou talvez tivesse escondendo seus sentimentos. Mas ali eles ficariam a salvos de seja lá quem fosse.

Já estava anoitecendo quando decidimos não voltar e passar a noite ali. Então um dos seguranças voltou com Mary, a cozinheira, comprar comida e pegar roupas de cama na enorme bagagem da garota. Eu decidi ficar com eles no casarão naquela noite por pura curiosidade em saber mais.

Jantamos e quando eu ia me preparar para dormir, Jessy bateu a porta onde eu estava com os seguranças e me chamou para passear. Ela estava impaciente, então eu fui. Fomos até o que restou de uma biblioteca e com a ajuda de lanternas começamos a revirar muitos livros em busca de algo ainda inteiro. Ela começou a desabafar sobre a vida dela. Coisas que eu já sabia pelo mordomo. Eu não era bom com argumentos, mas percebi que ela gostava de estar comigo.

Depois de pouca busca mas muitas horas conversando, desistimos e fomos para o lado de fora. A lua estava gigante e a campina atrás da casa estava prata pela luz que ela emitia. Jessy saiu correndo e se atirou na grama. Fui até ela e ela me derrubou no chão. Seus olhos estavam aínda mais claros, mesmo que a única luz ali fosse a da lua. Eu a beijei e ela correspondeu imediatamente. Trocamos carícias ali, até que ela começou a desabotoar minha camisa. Eu perguntei se ela tinha certeza e com um beijo longo ela me deu a resposta. Transamos ali mesmo, sem se importar se alguém poderia nos ver.

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