act 1. ᨳ - capítulo dois

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tocando agora: so real - wave to earth

eu não posso explicar
onde estou enterrado agora
[...] você nunca vai entender
sobre essa dor. ❞

pov deku
quinta feira, primeiro dia

O Iida é o melhor quando se trata de presentes.
Isso claramente foi um sarcasmo, ele literalmente só dá coisas intelectuais no geral, mas é o jeito dele, e eu respeito muito isso. Afinal, o azulado foi um dos meus primeiros amigos na U.A. Quer dizer, depois da Uraraka.

Ele me deu um livro chamado "A Depressão é uma Borboleta Azul". Não entendi muito bem, foi alguma mensagem subliminar? Enfim, é um livro bem aditivo, ajuda muito a entender como nossa mente funciona em momentos conturbados, como os que venho enfrentando nos últimos meses. Lidar com o One For All vem sido tão complicado. Pesadelos bizarros, vestígios de memórias dos antigos portadores, visões do All for One, muitas cicatrizes e ossos remendados, por aí vai. Isso tudo só podendo usar 36% da individualmente. Sinto um peso em minhas costas, mas um peso que estou tendo apoio e ajuda para carregar. E, com certeza, eu não aguentaria sem eles. Minha mãe, All Might, a  3A – que pra mim, sempre será 1A –, cada um faz parte da escada que venho subido lentamente desde que ingressei no curso de heróis.

Já li mais da metade do livro, mas fiz uma pausa pra pesquisar uma palavra que não conheço. Diz o seguinte: "E, em alguns momentos, tudo soa inefável..."  Inefável? Que tipo de palavra é essa? Aproveitei para dar uma pausa no livro e ir pesquisar o significado na internet, e o resultado me deixou bem surpreendido.

i·ne·fá·vel - (latim ineffabillis, -e)
adjetivo de dois gêneros
1. Que não se pode exprimir por palavras

Como pude nunca ter ouvido sobre isso antes? É um significado bem extenso, mesmo que soe simples. Esse sentimento já passou por mim várias, várias e várias vezes. Em todos os dias do meu ensino fundamental onde fui desmoralizado, quando conheci o All Might e ele me escolheu dentre todas as pessoas do mundo para ser o portador de sua quirk, no dia em que minha mãe chorou em meus braços me pedindo perdão repetidamente por eu não poder ser um herói – mesmo não sendo culpa dela –, e, por fim... no dia em que fui aprovado na U.A graças à Uraraka e aos pontos que ela me passou.

Eu poderia listar isso por muito mais tempo, mas não quero perder o ponto aqui. Como é possível não conseguirmos explicar uma sensação, um momento, ou uma pessoa? Será que realmente nenhuma palavra é capaz de descrever tudo isso? Existe algo intenso e profundo a esse nível?

Claramente a resposta para tudo isso é um sim grifado, circulado e destacado. Absolutamente todas essas questões que não podem ser exprimidas vão continuar rodopiando na minha mente, fazendo de minha barriga um borboletário, e de minha mente uma tela em branco. Cada um desses sentimentos faz parte do grande mosaico que sou, as peças são essenciais para que ele se forme, não é?

Tenho plena noção de que estou dando meu melhor, mas, já teve a sensação de que seu melhor não é o suficiente? Pois bem.

De segunda à sexta, durante 9 horas, eu estou dentro de um ginásio, treinando sem parar. Tudo que você possa imaginar, eu tento. Socos, golpes, flexibilidade, técnicas novas, controle do One For All, meditação, controle mental, coordenação motora, resgate... Mas nada parece preenchido, de certa forma. Nunca sinto que finalmente estou em um nível bom, pareço em uma corrida contra o tempo, onde estou bem longe da linha de chegada. A sensação de insuficiência vem me desgastando aos poucos, mas estou tentando muito melhorar nisso.

Com o livro e o celular em mãos, entro na Height Alliance. O único misero tempo livre que estou tendo durante a semana para ler o livro é o caminho de ida e volta do ginásio onde venho treinando. Andar e ler não é algo saudável de se fazer ao mesmo tempo, já devo ter me trombado com mais se cinco estudantes só essa semana. Mas esse livro realmente me fascinou, o que posso fazer?

Adentrando, sinto um cheiro inconfundível; é o arroz da Uraraka. Sempre dá pra reconhecer, é um aroma adocicado e um pouco temperado. Com essa sensação boa entrando em minhas narinas, eu coloco minhas coisas no balcão e me sento na cadeira em frente a tal, tentando disfarçar meu olhar cansado. Sou muito bom nisso.

Se fosse possível, eu admiraria a morena cozinhando por horas seguidas. Ela faz tudo com uma delicadeza tão dela, dá pra ver isso. Até mesmo cortando cebolas com os olhos marejados. Tadinha.

– Precisa de ajuda? – perguntei, fazendo com que ela reparasse em minha presença.

– Caramba, desde quando você está aí? – Uraraka praticamente deu um pulo em susto, mas sorriu gentil. – Acho que preciso, sim. Se importa em descascar e picar o alho pra mim?

– C-Claro que não – levantei e fui direto lavar as mãos para começar a tarefa. Já nos conhecemos há anos, por que ainda gaguejo? Ela deve achar que sou uma piada!

Já faz uns minutos que estamos lado a lado na bancada, ela cortando cebolas, e eu cuidando dos alhos. Um silêncio estranho está instalado aqui, e sei que provavelmente é culpa minha. O dia foi tão puxado, estou sem ideia alguma do que dizer ou comentar a ela. Convenhamos, seria estranho puxar papo com um "meus dias estão sendo pesados, e os seus?"

Mas, querendo ou não, tenho plena noção de que Uraraka não é muito diferente de mim nesse quesito. Ela continua treinando com o Gunhead, assim como eu com o All Might. Mesmo em época de descanso, ela não parou. Realmente seria incrível poder falar à castanha como eu a entendo, ou como vejo meu reflexo nos olhos dela. Sinto que ela quer ouvir essas palavras, mas também sinto que não é um bom momento pra isso. Os olhos da mesma já estão marejados das cebolas, se eu comentar disso, será um choro completo. A última coisa que quero é pesar o clima com nossos problemas pessoais.

– Será que o Professor Aizawa vai querer um pouco do arroz? Desde que cheguei, não o vi – disse ela, de repente.

– Pelo que eu sei, provavelmente ele está vivendo à base de café e sanduíches naturais. Nah, caso ele quisesse algo, viria até aqui.

– Ah, sim – silêncio outra vez. E ele prosseguiu até que eu terminasse de fazer o que a mesma me pediu.  – Obrigada por me ajudar, Deku – ela sorriu outra vez, e juro que senti uma sensação quentinha em meu peito. Uraraka colocou os alhos e cebolas picados dentro da panela de arroz, misturando-os.

...

Está divino. Caramba, se eu jantasse isso todos os dias, não iria reclamar nem um pouco. Estou na última colherada do arroz, e já deu certa tristeza.

Nós conversamos um pouco durante a janta, mas nada muito fluído. Uraraka parece tão cansada quanto eu, pra ser bem honesto. Os cabelos castanhos dela estão em um rabo de cavalo baixo, batendo na altura de seu peito, seus olhos estão caídos, as mãos tem band-aids. Eu realmente queria dizer algo para confortá-la, mas não quero soar invasivo. E, na realidade, não tenho forças para isso.

– Deku, você tá bem? – ela tem um olhar tão preocupado que deixou até mesmo uma certa culpa em meu peito.

– Olha... Não sei muito te dizer. Mas obrigada pelo arroz, tá? E boa noite – dei o melhor sorriso que pude e coloquei minha tigela vazia na pia antes de entrar no elevador, em busca do meu dormitório, do silêncio e de espaço pra pensar um pouco depois de um dia inteiro me ocupando justamente para não precisar pensar no que me incomoda.

Tenho muita noção de que não foi uma resposta justa, ou merecida. Mas... eu não sei. Estou uma confusão completa, e não quero deixar ela desse jeito também. Espero que Uraraka não tenha se chateado.

Cara, ela com certeza se chateou.
Amanhã darei um jeito nisso, estou esgotado.

INEFÁVEL | Izuocha Onde histórias criam vida. Descubra agora