Melhores Amigos de Infância

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 Luciano saltitava pelas calçadas, querendo acalmar o nervosismo de Martín.

Claro, seu amigo concordou em ir para um treino com ele, mas parecia nervoso, quase com medo. Não que houvesse motivo, o judô não era nenhum tipo de combate armado e Martín adquirira muita habilidade com o corpo (graças às insistências de Luciano).

Isso parecia completá-los: apesar de seu ego inflado, Martín tinha medo de muitas coisas e isso acontecia justamente por seu egocentrismo juvenil fazer seu cérebro ter medo de falhar. Luciano sempre foi diferente, pois enquanto Martín se controlava demais para nunca errar, Luciano costumava fazer coisas sem pensar e que poderiam dar muito errado, muitas vezes apenas para mostrar que era, sim, capaz de fazer isso, e geralmente era seu amigo quem colocava sua cabeça no lugar certo.

Dois imaturos, jogando na mesma rua e morando no mesmo bairro, acreditando firmemente que poderiam passar o resto da vida correndo juntos.

— Você já me obrigou a treinar capoeira contigo no projeto da escola... Agora eu tenho que vir aqui? — A irritação dele não era tão verdadeira, mas o sotaque remanescente o fazia parecer sério.

— Não começa, eu vi como você gostava de olhar a gente, só te dei um empurrãozinho. E olha só, tá ficando quase melhor do que eu.

— Ah, otário — Martín respondeu em tom de brincadeira — Está se achando muito pra quem tomou uma rasteira da Júlia no meio da estrada.

Luciano revirou os olhos, se esforçando para não rir da vergonhosa lembrança de Júlia, que sempre dava rasteiras nas pessoas, mas ninguém nunca caiu até aquele momento de distração.

Ambos caminharam quietos até chegarem a uma espécie de grande galpão. Tinha a porta aberta, além de estar limpo e bem iluminado, exibindo os tatames azuis onde outros jovens conversavam, sentados perto dos ventiladores de parede. Martín só reconheceu uma garota e sua irmã, que moravam na rua ao lado da sua.

— Eu trouxe um kimono pra você — Luciano chamou, abrindo a mochila e puxando uma manga de tecido grosso — É antigo, foi do meu primo, mas dá pra usar.

— Obrigado, Lu. Mas isso aí vai servir em mim? — Apesar da negação por parte do outro, Martín era, sim, ligeiramente maior que o amigo.

— Claro que vai, é do tamanho certinho.

No banheiro, Martín pegou o kimono para vestir, observando discretamente a forma como Luciano se arrumava, tentando copiar. Amarrar o cordão na calça era simples, mas dar um nó na faixa branca (levemente amarelada) se provou um desafio; de um jeito, ela simplesmente afrouxava e a parte de cima da roupa se abria, de outro, ela ficava com uma ponta para frente, de outro, parecia um cadarço preguiçoso.

— Vem aqui — Luciano surpreendeu o distraído — Eu amarro a faixa e você vê como é.

— Só me diz o que eu devo fazer!

— Tudo bem, então — Ele sorriu de lado, mas concordou em dar instruções — Deixe ela sobre a barriga e dê uma volta nas costas, cruze as pontas e coloque uma delas no vão, depois dê uma amarradinha por baixo, sempre ajustando a lateral.

Martín o encarou, sério, e quando não entendeu porcaria nenhuma, acabou deixando que Luciano o ajudasse. Ele se aproximou, apertando a faixa contra a cintura do amigo e amarrando-a devagar, demonstrando e, indiretamente, exibindo sua eficiência em amarrar, que julgava ser motivo de orgulho.

— Quer que eu dê uma voltinha para você ver como ficou? — Martín riu ao falar e enquanto girava igual uma criança mostrando a roupa nova. Entrando na brincadeira, Luciano entrelaça as próprias mãos como se visse algo muito fofo.

— Anda, Calça-Curta, nós vamos nos atrasar — A calça do kimono antigo, assim como as mangas, realmente estava um pouco curta, mas serviria para o primeiro treino, considerando que ele nem sabia se iria ficar.

— É que eu sou estiloso, não vê?

— Estiloso feito um mendigo, Tincho.

— Estúpido.

— Otário.

Ambos nunca se importaram com os leves insultos desde o dia em que se conheceram. Se falaram pela primeira vez quando Martín se mudou pra lá com sua família, apesar dos problemas de comunicação, se deram muito bem jogando bola na estrada vazia e brincando com o cachorro dele.

As irmãs conhecidas e alguns dos colegas de Luciano apareceram, cumprimentando o garoto com certa curiosidade.

— A Gi e a Gaby já te conhecem — Luciano apresentou-os — Mas esse é o Rodrigo — Apontou para um ruivo da idade deles — E o Maneca — Um garoto mais velho acenou com a cabeça.

Martín já ouvira falar deles e viu fotos no facebook do pai do amigo. Percebeu, também, que eles conversavam bastante. Ele se sentiu surpreendentemente contente perto deles e de Luciano.

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— Eles vão treinar de verdade uns com os outros — O professor explicou — Olhe, depois você pode treinar a movimentação com o Luciano, já que foi ele quem te convidou.

Martín, ao lado do homem, concordou. Foi instruído a sentar-se na borda para não acabar sendo "atropelado" por alguma dupla enquanto prestava atenção.

— Hajime!

Ao som desse comando, as duplas começaram a se movimentar e atacar. Viu Rodrigo segurar na manga do kimono de Luciano, puxando-o para perto, mas acabou sendo barrado pelo rapaz. A dinâmica da luta não era difícil de entender: da maneira mais resumida possível, o objetivo era colocar o adversário no chão e se defender caso acabasse caindo, algo que Rodrigo acabou tendo que fazer.

Ótimo, há quatro formas de se proteger da queda e um golpe básico que ele absorveu. Luciano, com sua faixa amarela, teria muito o que mostrar, para a sua felicidade.

Quando a primeira rodada terminou, as duplas se cumprimentaram, curvando o tronco.

— Vocês duas, sem loucura — O professor aponta para as irmãs de franja — O mesmo vale para você, Luciano, trate de não expulsar esse menino daqui.

Ambos reprimiram uma risada ao se aproximarem um do outro, cumprimentando-se e esperando o sinal para começar.

— Hajime!

Estranhamente gentil, Luciano pegou a gola e a manga de suas roupas, permitindo que Martín fizesse o mesmo e mostrando como manter uma base firme. Se movimentavam com fluidez pelo tatame, mas sem se atacarem.

— Me golpeia com o que te ensinaram, Tincho.

— Sabe que eu não sou feito de vidro... — Disse isso e encurtou a distância entre os dois, fazendo um gancho com a perna e tentando encaixar atrás do joelho de Luciano.

— Não é de vidro... — Luciano sussurrou antes de esquivar a perna.

Martín sequer percebeu como foi rapidamente erguido nas costas do outro, sentindo apenas o braço dele sob o seu e a manga do kimono subjugada pelas mãos dele.

— ...Mas parece feito de pano — Ele falou com um sorriso maléfico, descendo Martín, que mais parecia um gato assustado, de suas costas.

— Seu perturbado! Espera só mais um pouquinho, quando eu aprender você nem vai sonhar em fazer isso comigo.

O professor, por sorte, fingiu não estar vendo a brincadeira deles.

— Então você vai querer ficar? — Luciano não faz questão de disfarçar a felicidade esperançosa em sua voz.

— É claro que vou! — Martín responde, como se fosse óbvio.

Sorrindo, ambos voltaram a treinar.


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 Eu sinto falta de quando eu era pequena e treinava judô numa espécie de galpão/salão, era muito bom e eu queria saber como meus colegas estão hoje. Espero que tenham gostado!

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