Almas Psicóticas e Mentes Perturbadas

2010

Juno vinha tossindo há muito tempo. Todos insistiam para que ele procurasse um médico. "Vou assim que tiver dinheiro", era sua resposta padrão, até que no dia 23 de dezembro de 2016, mudou para "Marquei uma consulta para o dia 2 de janeiro, finalmente". O medo se instalou devido à sua piora. Ele sempre foi muito irresponsável com a própria saúde e seu autodiagnóstico via internet apontava para tuberculose. Seus amigos e familiares já estavam acostumados com sua voz abafada pela máscara de proteção, e ele com o gosto de sangue na boca toda vez que tossia. Não queria se precipitar nem colocar ninguém em risco. O médico, com certeza, cuidaria disso.
Juno morava em Utah, numa cidade próxima à divisa com Noveda, um lugar que sua mãe sempre lhe advertia para evitar. "Coisas estranhas acontecem por lá", dizia ela. Acontece que o médico que ele havia marcado consulta ficava na cidade de Risin, o coração macabro do estado de Noveda.

Juno estava passeando com seus cães enquanto pensava filosoficamente sobre a vida. Não havia passado mais uma vez na entrevista de emprego. Lembrou cada detalhe do que havia respondido em suas fichas, como o número de SSN¹ e State ID², o telefone da avó que colocou como recado, das últimas empresas que trabalhou e em como especificava as datas de estudo em sua faculdade. Início em 2010 e término em 2014. Foi quando ele parou subitamente, e assustado voltou pra casa. Nesse dia, pulou a leitura do jornal, que faz parte da sua rotina, e tomou seu café de maneira nada eventual.
Pensou que quando ele tinha 15 anos, foi para uma escola perto da casa da avó. Lá ele teve a oportunidade de voltar a estudar com Evan, que é seu melhor amigo. Foi no ano de 2008. Ficou apenas um ano nessa escola e no ano seguinte, foi para outro colégio continuar sua High School. Logicamente, em 2010 estaria no último ano escolar, então como havia feito faculdade nesse período até 2014 como assinava em suas fichas?
Juno começou a pensar em todas as teorias possíveis, cogitou até a teoria de falha na Matrix. Imaginou que tinha feito o último ano e a faculdade ao mesmo tempo numa quebra de tempo e espaço inacreditável. Até perceber que era erro da sua própria conta. A faculdade que fez durava quatro anos, então na verdade ele começou em janeiro de 2011 e terminou em dezembro de 2014. ³ Porém isso não foi o suficiente para encerrar o caso. Durante cinco anos ele acreditou que tivesse começado a faculdade em 2010. Criou falsas memórias para esse ano. Jurou de pé junto que esse era o ano que ele se tornou maior de idade. Era como se por toda sua vida tivesse convicção de algo e na verdade era uma histeria.
Ao deduzir tudo isso, se deu conta de que não lembrava como tinha entrado na faculdade e de quando tinha feito a prova. Pior, não lembrava nada do que aconteceu em 2010, nem de ter feito o último ano de escola. Tudo o que lembrava era de 2009, quando Michael Jackson e Brittany Murphy morreram. Depois disso, foi como um apagão. Foi direto para o ano da faculdade.
Seu peito doía, mal aguentava respirar. Estava magro demais e sem muitas forças. Deitou no sofá, cansado.
Pegou o celular para espairecer, mas não conseguiu. Após prometer a si mesmo que ia deixar para lá, ligou para Evan.
- Como está amigo? Já cuidou da tosse? - atendeu Evan, antes que Juno dissesse algo.
- 2 de janeiro amigo, está próximo não acha? Vou me livrar dessa dor.
- Fico feliz que você resolveu se cuidar. É o que dizem, ano novo, vida nova.
- Obrigado Evan. - Sorriu enquanto encarava o teto, em uma pausa para tossir- Cara, eu preciso te perguntar uma coisa e quero que faça um esforço para se recordar. Você lembra de algum momento comigo no ano de 2010?

James abre a porta abruptamente, parando em cima do capacho como se estivesse observando a casa. Evan e Júlia, que estavam na sala, olham rapidamente assustados.
- Pai? - Evan se aproxima - Onde você estava?
- Eu estava... - James fecha a porta e coça a cabeça - Só dando uma volta por aí.
- Precisamos conversar sobre isso, James. Você está sempre "dando voltas por aí". - diz Júlia.
- Amor, eu realmente estou sem tempo agora! Tenho que subir para o escritório e terminar aquela pesquisa. - James começa a subir as escadas quando Evan o chama.
- Pai, aconteceu uma coisa estranha!
- Coisa estranha? - James para no meio da escada e mantém a atenção no filho.
- Sabe o Juno?
- O tuberculoso?
- James, pelo amor de Deus! - Júlia intervém.
- Ah, é verdade! Aquele menino não sabe que existem médicos? Em pleno século XXI? - James coloca as mãos na cintura - O que tem o Juno? Vamos, não tenho o dia inteiro.
- Ele me ligou e disse que não se lembra do ano de 2010.
O pai de Evan, ainda na escada, parece assustado com o que o filho disse e permanece em silêncio por alguns segundos até passar a mão no cabelo e dar um sorriso sarcástico.
- O quê? - James finalmente pergunta.
- Eu sei que é estranho, mas pai, eu realmente não lembro de ter feito nada com ele no ano de 2010. Sério, eu olhei meus álbuns de fotos e não tem nada com ele.
- Isso é ridículo! E aquela convenção em que vocês foram fantasiados de Luke Skywalker e Darth Vader?
- Foi em 2009.
- E quando você ganhou o campeonato estadual de Karatê?
- Sim, foi em 2010. Mas nenhuma foto desse dia tem o Juno.
- Filho, você tem certeza de que foi em 2010? - Júlia se aproxima e coloca a mão no ombro de Evan.
- Sim, mãe, é isso ou tenho que devolver meu troféu gravado com "Campeão Estadual de Karatê 2010".
- Meu Deus! - Júlia coloca a mão no peito.
- Júlia, por favor! - James revira os olhos - Repito, isso é ridículo. Fala para seu amigo que ele se preocupa à toa com as coisas. Não quero você andando com esse menino, vai pegar tuberculose e morrer cedo.
- Pai! Você não sabe o que é que ele tem. E eu o convidei para vir aqui hoje.
- Tanto faz - James dá de ombros e volta a subir a escada. Júlia e Evan estão na sala quando ouvem a porta do escritório bater forte.