Não sei qual vai ser a sua reação quando você achar e ler essa carta. Não sei quem vai achar e o que vai fazer com ela. Estou escrevendo porque acredito que minha história daria uma notícia de primeira página no jornal. Só não coloque minha foto de identidade na capa, procure uma em minha casa, vai achar várias. Esse não é o único motivo que eu quero que você leia isso. Precisava falar para alguém, mesmo que esse alguém me ache louca. É pouco provável que acredite nas minhas palavras, e mesmo que eu tenha muito a dizer, tenho que ser breve, porque você sabe que eu não tenho muito tempo.
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Ano passado na linha temporal normal, no dia 14 de junho de 2016, uma terça-feira, eu estava em uma entrevista de emprego. Morava sozinha e estava desempregada. Ainda tinha comida na minha geladeira, mas sabia que se não arrumasse um emprego, logo não teria mais. No mesmo dia recebi a ligação da empresa dizendo que não era a escolhida para o cargo. Não sei te dizer o que senti, era algo como tristeza com alegria e raiva. A alegria é que eu não preciso aceitar um emprego que não quero. A tristeza é que tenho que aceitar qualquer emprego que eu não queira. Desejei que a comida nunca acabasse para que nunca mais precisasse arrumar qualquer emprego que tenha escravos disfarçados de assalariados. Lógico que essas coisas só me ocorreram porque eu estava desesperada. Então eu fui dormir. Se eu soubesse o que seria de mim dali pra frente, não teria adormecido tão cedo.
Acordei no primeiro 15 de junho. Sim, eu disse "o primeiro" porque houve um segundo. E um terceiro. E assim por quatrocentas e cinquenta vezes. Eu vivi o mesmo dia todo dia durante quatrocentos e cinquenta dias... E contando.
Acontecia sempre a mesma coisa. Eu acordava às 11 da manhã e não importava o quanto eu me esforçava para não acordar, era como abrir rapidamente os olhos depois de um susto. A primeira coisa que eu via era o faixo de luz que saía da minha janela e batia como uma linha fina na minha parede. Sempre ao olhar o faixo de luz, chegava uma mensagem da minha amiga Lara no celular. "Misty, amiga, festa em minha casa na sexta-feira, você vem? Traz bebida." Eu sempre respondia com "Pode apostar que sim" no que recebia uma réplica de uma carinha feliz. Ao levantar, abria a janela por completo de frente para a rua e via lá embaixo um carro branco seguindo para a direita, e um homem com moletom de capuz e fones de ouvido seguindo para a esquerda.
Quatrocentos e cinquenta dias. Eu sabia porque eu fazia palitinhos na parede. Eles não sumiam. Algumas coisas não sumiam, mas eram coisas pequenas. Os palitos na parede foram os únicos que permaneceram. O copo com leite que eu deixei em cima da mesa ficou lá por uns quatro dias. O prato que eu quebrei foram dois. Mas os palitos nunca foram embora. Eu tinha que testar essas coisas, era um filme de terror na minha vida pacata e real.
A comida, por mais que eu comesse tudo, no outro dia estava lá. Foi uma ironia do destino desejar comida infinita.
Os programas na TV, vi todos. Em todos os canais, em todos os horários daquela quarta-feira. Às vezes eu colocava no Jimmy Fallow e contava as piadas junto a ele.
E não diga que não tentei sair daquele pedaço de inferno, eu fiz de tudo. O primeiro plano foi ficar acordada. Iria passar de meia noite e então seria quinta-feira. Bebi muito café. Não deu certo. Eram onze e cinquenta e nove no relógio, olhava ansiosamente sem piscar. No segundo que viraria o horário eu apaguei. Mesmo estando sem sono, e mesmo no sofá, acordei na quarta-feira às onze da manhã em minha cama. O segundo plano era burlar as coisas que sempre aconteciam. Respondi minha amiga Lara com "Não vou poder ir", mas eu recebia o mesmo sorrisinho de resposta. Tentei jogar coisas no carro branco que passava e no homem que andava de mãos no bolso distraído com o som de seus fones de ouvido. Nada adiantava.
Pesquisei muito sobre o assunto na internet, e só consegui achar a sinopse de um filme chamado Feitiço do tempo de 1993 e um que estaria para estrelar no ano de 2017, que tinha esse enredo de "todo dia o mesmo dia". Só que, o que eu estava vivendo era real! Será que eu teria que fazer algo grandioso para mudar de dia? Talvez fosse como um legado, uma missão. Ou...será que estou morta? Como em um limbo que as coisas se repetem todo dia. Mas logo deixei essa ideia de lado.
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Almas Psicóticas e Mentes Perturbadas
TerrorApós a chegada de um homem misterioso em uma cidadezinha do estado de Utah, coisas estranhas começaram a ocorrer. Um menino que não viveu o ano de 2010; uma mulher presa em um looping temporal; várias aparições fantasmagóricas e falhas temporais irr...