Kintsugi

Capítulo 9 - Troca de Favores

 Céu azul, poucas nuvens à vista, a claridade que entrava, cálida, pelas treliças da janela de vitral, refletindo no assoalho em tons de furta-cor. A despeito do tempo convidativo, Shin se encontrava no interior de uma das casas mais afastadas, a mesma utilizada anteriormente para resolver seus "assuntos pessoais". Talvez, para a maioria das pessoas, o clima seria considerado agradável e propício para atividades ao ar livre. Chegara a ver, inclusive, todos reunidos num piquenique quando chegou de sua visita a Sumeru, onde entregou os relatórios e fez um informe oficial à Lorde Kusanali.

Ele não era particularmente um apreciador daquele tipo de tempo.

As pessoas pareciam muito mais inclinadas a se tornarem irritantes e agitadas quando estava ensolarado do que quando chovia ou fazia frio, e ele achava aquilo simplesmente detestável. Assim sendo, enfurnou-se naquele lugar e passou o tempo analisando o interior da casa simples.

No quarto, conhecido em sua visita anterior, além da cama, havia também uma mesa com duas cadeiras, bem como retratos, tanto da viajante quanto de seus companheiros, colados nas paredes. Mais ao lado, uma prateleira com alguns livros, os quais dedilhou com cuidado enquanto analisava os títulos, um por um.

Enciclopédia.

Romance.

Enciclopédia.

Livro de receitas.

Mistério.

Suspense.

Diários de lugares específicos por onde Yíng já havia passado.

Guia dos Cavaleiros de Favonius.

Romance de teor duvidoso a respeito da transmigração da Shogun: soltou um grunhido característico ao deparar-se com aquele, e o retirou da estante, jogando num canto qualquer do cômodo.

Ao fazê-lo, porém, percebeu algo no fundo da prateleira, que não teria notado sem a retirada do livro. Era difícil enxergar pela pouca luminosidade, mas parecia uma outra história? Curioso, retirou os exemplares ao lado e os deixou sobre a mesa, conseguindo, enfim, visualizar do que se tratava.

Ali, escondido no breu da estante, havia um livro oculto, cuja capa ele não sabia se achava hilária ou ridícula, embora estivesse muitíssimo inclinado a ambos. No top de uma pedra, Xiāo exibia uma postura estereotipadamente viril: os olhos afiados, um sorriso malicioso, sua lança de jade numa mão e a outra enlaçada ao redor da cintura de uma segunda figura, que, tão logo reconhecida, gerou um acesso de riso intenso no fundo de sua garganta. Ali, numa expressão perdidamente apaixonada e estupidamente submissa, Zhōnglí apoiava ambas as mãos sobre o peito do outro, enquanto eram envoltos por efeitos de ar e flores de gingko flutuantes.

O que era aquilo, afinal?! Uma piada de mau gosto? O resultado de uma aposta perdida? O fetiche duvidoso de algum outro integrante do bule? Ainda rindo, passeou com um dígito sobre o título da obra, como se algo absurdo daquele nível merecesse ser lentamente saboreado.

"Depois de conquistar todos os demônios de Liyue, Adeptus Xiao, conquistava seu maior desafio, um Marido! A história do casamento nada secreto entre o consultor da funerária Wangsheng, e o imortal lendário" era o nome, e o fato de algo tão comprido não encobrir a imagem principal já era surpreendente por si só. Curioso, puxou uma das cadeiras e sentou-se ali, folheando o livro.

Era... ridículo.

"Ridículo" era um adjetivo muito raso para descrever os níveis de incoerência contidos ali, mas seu cérebro estava ocupado demais processando os mais variados e criativos disparares da história para conceber um predicativo melhor.