Capítulo 14 - Familiaridade

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Retira os pregadores, estica, dobra e coloca no cesto.

Retira os pregadores, estica, dobra e coloca no cesto.

Retira os pregadores, estica, dobra e coloca no cesto.

Era uma tarefa repetitiva, mas, justamente por isso, permitia ao andarilho deixar sua mente vagar livremente enquanto a fazia.

Se no ano anterior alguém lhe dissesse que logo estaria no bule da Viajante, retirando roupas do varal, completamente integrado à rotina do lugar, definitivamente riria em sua cara e o chamaria de louco. Jamais imaginaria sua vida tomando aquele rumo, por surpreendente e fora do comum como fosse, menos ainda daquela forma.

Ali, se erguesse o rosto, conseguiria ver, além dos varais esticados, o "Sol" se pondo perpetuamente: os tons de rosa, amarelo, laranja e azul se mesclavam, num anoitecer sempre por vir, mas nunca presente.

Se fechasse os olhos e prestasse atenção, sentiria a brisa agradável do local, nem muito quente, nem muito fria, apenas amena. Uma temperatura agradável que, de quando em quando, trazia consigo aromas variados.

A terra úmida após o regar das plantas ou o lavar das roupas;

Temperos refogados na cozinha a céu aberto;

Flores sendo agitadas ao sabor do vento;

Uma torta de maçã no forno;

Ou até, como naquele caso, a fragrância agradável de tecido recém lavado, tragado para si num suspiro.

Um cotidiano tão pacífico seria apenas esperado para a maioria das pessoas, mas, para Shin, tratava-se da mais inusitada das situações.

Ele... certamente não merecia tudo aquilo, e tinha plena consciência do fato, mas, ainda assim, deixava-se submergir na serenidade emanada pelo lugar.

Precisava continuar, mas a sensação da maciez da trama contra sua bochecha era agradável e ainda continha resquícios da calidez dos raios recebidos sobre si. Por aquele breve instante, sentia como se pudesse até mesmo adormecer de pé, ao menos até ouvir a grama farfalhar, conforme passos se aproximavam de si. Virou em sua direção.

— Ah... Estou lisonjeado.

Confuso pela fala sem contexto, Shin arqueou uma sobrancelha ao homem diante de si, tão conhecido. Venti não trajava suas roupas habituais, mas um outro conjunto delas. Também verdes, mas com algumas modificações aqui e ali. Enquanto tentava descobrir por que infernos se sentiria lisonjeado naquela situação, acompanhou-lhe os olhos risonhos de turquesa, fixados no tecido que ainda mantinha parcialmente pressionado contra o rosto.

Verde.

Bordados dourados.

Babados brancos.

Uma capa.

A capa de Venti.

Durante todo aquele tempo, esteve devaneando sobre a própria vida enquanto abraçava e cheirava a capa de Venti.

Não fora proposital, tampouco premeditado, mas a expressão divertida e vitoriosa nas feições do mais velho quase o faziam querer derrubar a peça no chão. Talvez até pisoteá-la um pouco contra a grama. Contemplou a possibilidade por algum tempo, mas, no fundo, sabia que apenas geraria retrabalho. Assim, encarando-o profundamente, esticou, dobrou e guardou também a capa no cesto, junto às demais, terminando sua tarefa.

Venti riu e se aproximou dele no mesmo ritmo de antes.

— Você parece bem habituado aqui, agora.

Era verdade.

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