TODA

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Ela é tão carinhosa... às vezes eu acordo e quero levantar da cama, mas, ela implore que eu fique lá com ela o dia todo.
Ela é tão boa! Eu fiz tudo que ela odeia: terapia, remédio, exercício, pipoca. E mesmo assim ela não desistiu de mim.
Quando eu não tô bem e sinto vontade de desabafar ela me mostra que é melhor guardar essas coisas para mim, assim eu não me torno um fardo para as pessoas.
Ela é tão.... Ciumenta, eu precisei me isolar de todo mundo pra ela ficar feliz e até que não foi tão difícil, quando eu tô com ela é como se tudo perdesse a importância, quando a gente tá junto nada parece real e eu perco completamente a noção do tempo.
O que mais eu posso dizer?

—Stanley – as batidas na porta continuam insistentes — abre a porta, filho, já faz 5 dias que você não sai de casa — sua voz soa preocupada.

Me mantenho em silêncio olhando o teto, meu quarto fede, minha cabeça está oca, meu coração permanece dolorido como se atirassem flechas diretamente nele, sinto tudo doer absurdamente.
Até meus pulsos ardem.

—Stan — ela continua tentando me fazer sair do quarto — Você não está tomando seus remédios que a psiquiatra passou e sequer está se alimentando direito — agora sua voz assume a posição de uma mãe autoritária.

Minha mãe insiste alguns minutos e então suspira atrás da porta, marchando para seu trabalho.
Ainda sim permaneço imóvel sob a cama.

Essa é a parte que não se fala sobre as doenças mentais; No fim do dia, mesmo tendo feito tudo certo nada impede que você tenha uma recaída e não consiga dormir pensando em se matar.
Não é justo.

Minha mente divaga no espaço-tempo, viajando entre memórias passadas e preocupações futuras, não sei exatamente como essa nuvem de pensamentos se formou em mim, mas, em certo momento, me lembro da frase de John.

"algo tão efêmero quanto uma flor".

Então com dificuldade, eu levanto, escolho um blusão preto do Artic Monkeys, uma bermuda 100% algodão e vou andando com lentidão até o banheiro.

Eu evito me olhar no espelho, não me sinto pronto para isso, não agora.

Entro no box, aplicando no meu cabelo um shampoo e com as pontas dos dedos faço movimentos circulares em minhas madeixas escuras, lavo meu cabelo e limpo todo meu corpo.

Quando saio do banheiro, coloco as vestes confortáveis que escolhi, dou uma breve penteada no cabelo, coloco remédio sob meus cortes e coloco curativos neles.

Em seguida, agora com um cheiro mais agradável do meu perfume de bebê favorito, ligo a TV e escolho "A Viagem de Chihiro" para assistir, Studio Ghibili me acalma.

Isso é um autocuidado e todo mundo precisa reconhecer que, tá tudo bem descansar, ás vezes a gente precisa de um tempo, de um choro, de um Porto Seguro para simplesmente voltar a ativa.

Somos humanos, ninguém deveria ter vergonha do que sente.

Acompanho essa garotinha protagonista viver situações de medos e ver seu arco para criar a coragem, peitar bruxas e fugir de monstros, mas, também acolher eles, me motiva.

No final de tudo, somos todos crianças aventureiras em um mundo monstruoso e aprendendo a lidar com os demônios.

Eu sei que há uma voz cruel em cada pessoa, no meu caso a minha diz:

"Você não é bonito"
"Você é horrível"
"Você deveria ter morrido no lugar da sua avó"
"Se mata"

E já que não dá para destruir a voz cruel por hora, eu gosto de gerar o nascimento de uma segunda voz, uma mais amiga, empática, simpática, uma mais querida.

A PARTE DIFÍCIL Onde histórias criam vida. Descubra agora