1 - Caçadores de mentiras.

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                                                                                                [1]

Um lugar de nascimento. Mas ele estava ali para morrer.

"Maternidade", dizia a placa. Nada mais que uma lembrança de tempos produtivos. A tinta de cor morta, já ressecada, destacava-se das paredes. A sujeira de anos já não deixava-se ver o piso original. Macas enferrujadas, assim como instrumentos esquecidos em velhas gavetas. Cadeiras e maquinas tão quebradas quanto a historia do Santa Elisa, um hospital que já fora referência, mas que hoje não era mais que um complexo deprimente de concreto e lembranças corroídas.

A sala ao fim do corredor cheirava a mofo e mercúrio. O rapaz sentia isso forte a cada tragada nervosa de ar. Naquele cômodo, apenas vidraças quebradas e uma dúzia de leitos em desordem eram testemunhas.

Ele estava estático. O olhar, vidrado.

Ela, irredutível; intransponível como uma montanha.

O cromo do metal cintilou em meio a penumbra.

- Ei. Ei! O que está fazendo? - Ele agoniou-se. - Por favor, não! Achei que sua missão fosse me proteger.

- É o que estou fazendo. Te proteger. - Ela segurava o cabo da arma com uma insegurança que nunca havia sentido. - É isso o que me dói.

Os olhares se cruzaram naquele momento solene.

O barulho seco do tiro correu pelos corredores rasgando o silencio, até ganhar o estacionamento e seguir até morrer na noite.

Horas antes

Roberto caminhava em silêncio.

O vento frio da noite agredia seu rosto e o forçava a guardar as mãos nos bolsos do velho casaco jeans. A melancolia naquela rua suja e mal iluminada alimentava em silêncio a confusão nos pensamentos do rapaz de 25 anos.

Há alguns instantes a expressão eu seu rosto afilado e ainda com marcas de espinhas era muito diferente da carranca de aborrecimento que a luz pálida dos postes agora iluminavam com dificuldade. Minutos antes, Roberto estava em um barzinho, conversando, brincando, zoando e sendo zoado, como era de se esperar de um magrelo universitário sem muita verba para diversões mais sofisticadas. A alegria e descontração cresciam entre goles de cerveja gelada. Porém, como alegria de pobre dura pouco - como ele costumava dizer, pessimista - bastou um telefonema pra tudo desabar.

Roberto tirou o celular do bolso e com a recordação lançou sobre o aparelho um olhar furioso. Parecia que poderia ainda ouvir claramente a voz esganiçada da namorada usando contra ele sua criatividade impar em tecer xingamentos. Ela acusáva-lhe de ser o maior mentiroso desse mundo, e desejava sem o menor pesar que ele continuasse a mentir despudoradamente e que isso um dia o matasse.

Um suspiro fatigado escapou e Roberto resolveu continuar sua caminhada solitária. A viela ladeada de tambores e latas de lixo seguia dando a sensação de ser muito mais longa do que aparentava. O cheiro de urina que o vento jogava em sua cara só dificultava mais a coisa toda.

No fundo, Roberto não tinha como negar que sua namorada tinha razão. Ele mentira sobre passar o fim de semana com a mãe para poder encontrar os amigos de faculdade. Mesmo assim, não conseguia se recriminar muito por isso. Mentir nunca fora algo grave para ele. Na verdade, Roberto associava mentira à algum mecanismo de defesa que os espertos possuíam. E ele mentia. Como ele mentia, ao ponto de esquecer quando isso se tornou tão comum como respirar, e quando passou a gostar disso. Então, mesmo tendo consciência da falha - que não era assim tão grave para ele - não deixava de recriminar a então ex-namorada pelo exagero. No fim, agradecia o favor pelo fim do namoro - Ao menos, era no que gostava de acreditar.

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