Frio. Silêncio. Apatia.
E de repente, voltaram os sentidos, mas não da maneira que ele estava acostumado. Sentiu-se como no fundo de um rio, onde tudo é mais ameno, lento e nebuloso.
Aquela visão fez Roberto chegar à conclusão de que, caso não tivesse enlouquecido de vez, a única opção plausível seria que estivesse sonhando, ou alucinando. A criança passou correndo bem na sua frente, ignorando-o como se não estivesse ali; como se fosse um fantasma translúcido. Porém, não era isso que abismava Roberto. O rapaz reconheceu logo o rosto daquela criança, e tal reconhecimento o colocou diante do limiar da loucura. Aquela criança, sem sombra de dúvidas não era só muito familiar, era ELE; era ele ainda criança, com seus 10 anos, magrelo, de cabeça desproporcional, cabelos bagunçados, bermudas e chinelos. Definitivamente aquilo não era uma ilusão, pois ele lembrava de tudo ali; o céu azul sem nuvens, as árvores de poucas folhas, os bancos e tudo mais naquela praça. Estava vendo o passado, só que de outro ângulo.
O pequeno Roberto subiu em um dos bancos da pracinha sob os olhares admirados de três colegas de idades parecidas.
– Vai cara. Conta logo! Cê brigou ou não com a turma da rua de baixo? – Indagou o menino moreno de rosto redondo, meio incrédulo.
– É, conta logo! – Reforçou a menina loira de tranças.
A criança Roberto inflou os pulmões, cheio de si. O rapaz Roberto teve vontade de rir, nostálgico, mas não cabia àquele momento de estranheza.
De início, eram apenas sussurros. Mas logo o rapaz pode ouvir claramente aquelas vozes distintas; vozes vindas de não se sabe onde, talvez apenas do fundo da mente atormentada do jovem. Não, não era loucura. Roberto sabia. Alguém cochichava ao ouvido daquela criança.
– Não faça isso, criança, não siga por esse caminho. – Disse a grave voz feminina que ecoou apenas nos ouvidos do rapaz.
– Vá em frente. Você sabe que ninguém gostará de você se disser a verdade e mostrar que é um fraco. – Roberto identificou aquele segundo timbre como o tom malicioso de um rapaz.
A criança não era capaz de ouvir aquelas vozes etéreas, mas isso não as impedia de causar nele um dilema moral. O pequeno Roberto pensou por um instante, sob os olhares ansiosos dos amigos, até que respondeu.
– Briguei não, espanquei eles! – disse com os braços cruzados sobre o peito imponente.
O Rapaz sentiu-se mal. Ouvir aquela resposta falsa saída de sua própria boca, diferente da sensação de superioridade e força que sentiu na época que a dera, agora causava-lhe um estranho desconforto; talvez por presenciar aquilo como o expectador da primeira tragada de um viciado, e pensar na perspectiva de uma vida destruída pelo vicio.
– Você quase nunca me ouvia. – Roberto ouvir novamente aquela voz intimidadora de mulher, que ele agora sabia se dirigir diretamente a ele. – Sempre preferiu dar ouvidos ao outro. É por isso que estamos aqui agora. Não tem mais como voltar atrás. Sua alma está podre e os monstros vem pela sua carne.
O rapaz não teve tempo de esboçar qualquer reação àquele contato surreal, pois seus olhos já se arregalavam entregando uma visão aterradora. Sombras nasciam por traz de onde o pequeno Roberto posava de herói, e dessas trevas brotavam membros alongados com garras seguidos de bocas escancaradas cravejadas de dentes afiados. Três indignos eram vistos atrás da criança agora. Eles salivavam, mas não tencionavam atacar o menino e os amigos. Apenas aguardavam como predadores pacientes por algo que o rapaz não compreendia,
Roberto gritou desesperado para alertar o seu EU inocente, porém sua imagem e voz estavam além do alcance dos sentidos da criança, assim como o trio de monstros.
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Indignos
FantasyE se uma única mentira pudesse te condenar ao inferno? E se sem saber, você fosse o ponto chave em uma disputa antiga entre céu e inferno? E se, seu anjo da guarda tivesse como missão final, te matar? Perguntas inquietantes que são respondi...