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 O motor roncou noite adentro.

Foi tudo tão rápido, ludibriante como uma metralhadora de imagens em flash. Pareceu um mero piscar de olhos, mas era o que Roberto lembrava do pequeno espaço de tempo que separava o tiroteio com as criaturas no beco e o momento onde estava agora.

O rapaz tentava se segurar como podia. Os braços davam um abraço de Píton na cintura sob a jaqueta de couro daquela estranha; quebraria as costelas dela se fosse preciso. Tudo para não cair da garupa da Hornet que seguia no meio do trânsito pesado a mais de 80km por hora. A lua brilhava soberana em uma noite apenas rajada por faróis de automóveis. O fluxo do trânsito formava uma serpente luminosa que serpenteava até onde a vista alcançava. A neve cinza caia, invisível aos olhos comuns.

O sinal do cruzamento se fechou. Um rapaz que atravessava na faixa só teve tempo de fechar os olhos e prender a respiração enquanto aquele borrão passava rente ao seu rosto com um ronco potente.

Uma rápida olhada corajosa para trás e Roberto viu a cara de pavor das pessoas que por pouco não foram atropelados pela motocicleta. Voltou-se para sua condutora com os olhos arregalados.

– Ai caceta! Cuidado! – Protestou aos berros. – E que conversa é essa de anjo? Tá drogada?

Os curtos cabelos ruivos da condutora dançavam levados pelo vento que açoitava aquele rosto arredondado salpicado de sardas. Aquela face apesar de jovem e firme, carregava uma severidade e ar de prepotência que estava muito além dos vinte e poucos anos que aparentava.

– Não entendo a surpresa. Todos têm um Anjo da guarda, até mesmo alguém como você, infelizmente. – Ela respondeu, a contragosto. – E por enquanto, é assim que você vai me chamar.

– Fala sério. Isso é o que? Castigo por nunca mais ter ido à igreja? Será que ainda dá tempo de pagar o dízimo? To com minha carteira aqui.

– Parece engraçado? Aquelas coisas, os dentes, o hálito podre, pareciam piada para você?

– .... Não.

– É por isso que eu gosto do medo, porque não há fingimento nele. Só não vai cagar meu banco novo.

– E o que eram aquelas coisas lá no beco? – Roberto indagou.

– Elas são você, ao menos o que pode se tornar caso eles consigam colocar os dentes na sua carne. Simplificando pra sua cabecinha de primata: São indignos saídos do inferno, e meu trabalho é impedir que você entre para o time deles. – Afirmou com um peso de insatisfação nas palavras que lembrava um funcionário desgostoso.

– Mas, o que eles querem? O que você quer?!

A Jovem alertou-se ao olhar no retrovisor e ver uma criatura cavalgando sobre quatro patas aproximando-se rápido por entre os carros.

– Escuta bem, gênio, porque não vou repetir. Agora que a palavra profana foi dita, o que eles querem é a sua carne, retalhado e sangrando de preferência. Já eu, só quero fazer meu trabalho.

– Palavra profana?

– Uma mentira, a derradeira, e você já ta enchendo meu saco com tanta pergunta. Fecha a matraca e segura ai.

Uma criatura caiu sobre o teto de um carro ao lado da moto, amassando o metal em um som abafado pelos motores e buzinas. O susto desequilibrou a hábil condutora por um instante.

– Inferno! – Bradou a Jovem girando o acelerador com brutalidade – Eles não vão desistir fácil!

– Merda, merda! – O Rapaz desesperou-se com o solavanco.

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