eu nao sinto nada (2).

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⚠️GATILHOS: vícios em remédios, recaídas, hospitais e crises de pânico. ⚠️


Quando eu chego no acampamento e estaciono o carro, eu desabo, só consigo chorar e tudo o que passa pela minha mente é como eu sou um monstro egoísta por não ter me importado ao ponto de perguntar se ele sabia nadar. Nada naquele momento me convencia do contrário. Eu me sentia a pior pessoa do mundo.

Eu sabia que apesar da dor e da culpa que eu sentia naquele momento, eu tinha uma única obrigação. Ser forte e tirar ele da encrenca que eu nos meti.
Respiro bem fundo algumas vezes, tomo um gole de água que tinha no carro dele e saio do veículo, indo em direção ao dormitório da minha tia pra tentar explicar a ela a situação.

Respiro fundo mais uma ou duas vezes pra tomar coragem, dou um passo a frente e bato na porta do dormitório dela.

- É o Jão, podemos conversar?

- Entre querido, estava te esperando, vocês dois me deixaram preocupada!

Abro a porta daquele quarto e me deparo com minha tia sentada ao lado da cama, me olhando com cara confusa, acho que ela esperava que Pedro estivesse comigo. Eu inspiro antes de falar qualquer coisa e adentro ao quarto sentando ao seu lado.

- Tia, eu encontrei ele na orla enquanto voltava pra o jantar, ele viu que eu estava atrasado e me ofereceu um carona, quando vimos que não daria tempo de chegar ele ofereceu de eu ir jantar com ele e eu aceitei, apesar de saber que era irresponsabilidade. Acabamos bebendo um pouco demais e fomos a praia, para conversar sobre a vida. Quando eu percebi ele estava se afogando, ele ficou estável mas por precaução, decidi levá-lo ao hospital. Ele estava quase entrando em coma febril, então foi levado a UTI….
Eu sei que deveria ter lhe avisado assim que isso aconteceu, mas minha mente não conseguia pensar em nada. Naquele momento a minha única preocupaçao era com o bem estar do Pedro. Pode me penalizar, me expulsar do acampamento, eu sei lá, só não ferra com o Pedro por favor - Eu suplico enquanto tremo e seguro as lágrimas pra que ela não percebesse o quão abalado eu estava. Falho miseravelmente, deixando cair lágrimas logo depois disto.

Ela me olha com cara de choque e olha para o lado algumas vezes, com os olhos esbugalhados. Ela claramente não fazia ideia do que me responder, tanto que ela demora alguns minutos para conseguir formular uma frase completa. Enquanto ela não conseguia, ela murmurava algumas palavras mas sempre falhava .

-Oh meu deus… nao faço ideia do que lhe responder filho, nem quero imaginar o que passa pela tua mente agora, mas saiba que você não está sozinho, e que terá todo o apoio. Referente a penalidade, isso só será resolvido quando ele estiver em segurança de volta ao acampamento, ok? - ela diz enquanto toma um gole do chá que havia na sua mesa de cabeceira. Ela estava mais calma, mas claramente ainda não tinha conseguido assimilar tudo que tinha acabado de acontecer. Não a culpo, eu estava mil vezes pior.

- Agora eu preciso contatar os pais dele e cuidar da burocracia, peço que você durma o máximo que conseguir, sei que vai ser difícil, mas quanto mais você dormir, com mais cabeça pra cuidar disso você vai ter amanhã, ok?- ela diz enquanto pega o celular procurando um número, provavelmente o dos pais do Pedro.

Eu saio do quarto e mil e uma coisas se passam pela minha cabeça naquele momento, mas em específico uma prevalecia. A culpa. eu já havia me sentido culpado por muitas coisas na vida, mas nenhuma delas chegava perto do sentimento sufocante e doloroso que eu sentia naquele momento.

Volto pra cabana ainda em prantos, quando decido fazer uma pequena mala com as coisas do Pedro, sei que por ele estar na UTI não vou poder ver ele nos próximos dias, entretanto achei que ele ia querer usar suas próprias coisas.

Peguei uma mochila que estava no canto de sua bolsa, ali tinha uma câmera antiga, alguns filmes pra ela e material pra revelar foto. Pego todas essas coisas com cuidado e as coloco em sua mala comum. Coloco naquela bolsa tudo que eu achei que ele iria precisar pra passar alguns dias no hospital. moletom, camiseta, shorts, calça, roupa intima, desodorante e escova de dente próprios.

Passo os próximos 5 minutos andando de um lado pro outro da cabana enquanto tentava entender minimamente o que tinha acontecido. Olho meio tonto pro meu quarto e lembro de algo que eu definitivamente não poderia ter lembrado naquele momento. Eu tinha uma cartela de Rivotril guardada por causa da minha insônia e conhecendo meu histórico eu sabia que não poderia ter aquilo na minha bolsa, mas fui teimoso e acabei levando.

Não penso, pois sabia que se eu pensasse se aquilo era uma boa ideia ou não eu iria me arrepender no mesmo segundo. Corro até minha mochila trêmulo, enquanto abro e procuro em desespero por aquela cartela de remédios. Quando a encontro, tomo tudo que havia nela, graças a deus a cartela não estava completa, havia apenas uns 4 ou 5 remédios. Tomo todos eles a seco e de uma vez.

Depois disso nao me lembro de absolutamente mais nada antes do momento em que eu acordo. A dor de cabeça é tão forte que demoro alguns minutos pra conseguir abrir os olhos. Quando consigo finalmente abri-los, tudo parecia borrado e duplicado. Sabia que isso aconteceria, mas depois de alguns minutos esse efeito passa.

Com dificuldade olho o relógio do meu celular. São 7:47. O horário de visita do hospital abre logo. Como Pedro estava na UTI naquele momento, eu nao poderia ver ele, mas queria que ele tivesse suas coisas em mão logo.

Não faço ideia de como, mas eu arranjei forças sabe-se lá de onde pra levantar, tomar uma ducha bem gelada e fazer a higiene básica. Choro duas ou três vezes no processo, mas consigo me recompor.

Opto por um conjunto de calça de moletom cinza e o moletom do acampamento que era azul escuro com o nome do acampamento “Star”. Já no peito, havia uma especie de casa, fazendo referência as cabanas do acampamento.

Decido não ir com o carro do Pedro, já que  era dele e não sei se ele gostaria.
Não era incômodo ir de ônibus, eu até gostava do fato de não ter de dirigir. Pego o ônibus e vou direto para a última cadeira da ultima fileira. Pego meu caderno de composições e uma caneta hisferográfica rosa e começo a rabiscar alguns trechos para uma possível musica.

"Eu sempre achei que algo indicaria
que eu lhe deixaria
eu não sabia o que eu queria
mas sabia que nao estava aqui”

“…. desculpa eu nao consigo me amar do jeito que vc me ama”
“Eu precisava me deixar pra descobrir onde eu estava?”
“Me deixa ir (4 vezes)”

São só alguns trechos soltos de uma possível música, mas eu gostei muito deles, senti que eles transpassam exatamente o que eu sentia naquele momento.

Durmo por algum tempo e quando chego no ponto mais próximo do hospital, saio do ônibus com a minha mochila em mãos e a do Pedro nas costas. Ando por alguns minutos até chegar no hospital. Respiro fundo algumas vezes até tomar coragem para adentrar.

Quando coloco os pés no hospital e o cheiro de formol entra pelas minhas narinas, todas as lembranças daquele maldito dia voltam a tona. Ele desmaiado passando numa maca enquanto os médicos gritavam, a tosse de afogamento dele, tudo volta de uma vez.

Não chego a chorar, mas devo ter ficado em choque por alguns minutos, porque só voltei a realidade quando um segurança questionou se eu estava bem.
Me recomponho em alguns segundos e respondo que sim.

Sigo em frente até a recpeçao sem pensar muito e vou em direção a uma moça. Ela era a que tinha mais cara de simpática entre as 3 da recepção.

- Olá, então, eu vim visitar ou saber o estado de Pedro Augusto Fernandes Tófani Palhares. Estive com ele aqui ontem quando ele foi internado na UTI - Digo num tom sério, tentando mascarar toda angústia que eu sentia a soltar aquelas palavras no ar.

- Olá, você seria João Vitor Romaina Balbino então? - a moça diz num tom simpático e sério na medida correta, era levemente acolhedor também.

- Eu mesmo, precisa dos meus documentos? - digo enquanto pego minha carteira.

- Não será necessário. O senhor Pedro está estável, e agora está em observação. Gostaria de vê-lo?

Meus olhos se enchem de lágrimas de alivio ao ouvir aquilo. Sinto o peso do mundo sendo tirado das minhas costas, e a culpa que me sufocava sendo aliviada, tudo ao mesmo tempo. Naquele momento eu voo, mesmo sem saber voar.

- Com certeza - as palavras soam como música no ar. O meu sorriso de alívio, e o sentimento de vitória faziam daquele momento incrível. Ele estava bem e isso nao tinha preço.

As Ondas Desse Seu Coração - Pejao Onde histórias criam vida. Descubra agora