Chapter I - Dia Comum.

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  Fazia mais de cinco meses que eu ouvia exatamente a mesma coisa, e eu já estava a um passo de perder completamente a razão e resolver aquilo com minhas próprias mãos, mas, de novo, fui forçada a respirar fundo e manter o sorriso no rosto.

  Do lado de fora, exatamente no mesmo horário dos outros dias anteriores, um carro vermelho com faróis redondos bateu na buzina em uma sequência ritmada que não saia sequer um segundo da minha mente o resto da manhã. Olhei através do vidro pintado com letras amarelas e vermelhas, observando o movimento e esquecendo completamente o que a mulher diante de mim dizia.

  Eram dez e meia, o que significava que aquele lenga lenga iria durar só mais uma hora, isso se ninguém reclamasse outra vez por eu ter colocado muito ou pouco creme no café com creme.

  - Você me ouviu?! - A voz exageradamente alta gritou bem do lado da minha orelha.

  Concordei roboticamente com um aceno e esfreguei os olhos, bocejando logo em seguida e denunciando minha total falta de interesse em receber instruções de algo tão básico e que eu sabia muito bem fazer.

  A morena afastou a franja negra dos olhos, soprando uma mecha vermelha da sua bochecha, me encarando como se eu fosse um caso perdido que não tivesse a menor chance de concerto.

  - Olha, você vai fazer dezesseis anos, precisa resolver o que vai fazer da sua vida, porque aqui claramente não é seu lugar.

  O tom da conversa mudou, e eu sabia exatamente para onde aquilo iria me levar. Endireitei a postura e coloquei as mãos nos bolsos da calça preta de uniforme.

  - Não precisa me demitir por isso, Lilian. Eu vou me esforçar.

  - Você disse isso das últimas nove vezes! - E lá estava a decepção outra vez. Ela respirou fundo, batucou com os dedos no balcão e suspirou novamente. - Desculpe, Selenya, mas se eu receber outra reclamação sua até o fim da semana, vai estar na rua.

  A xinguei tão alto interiormente que comecei a sentir dor de cabeça depois, mas não deixei aquilo me atrapalhar, nem a blusinha branca justa de mangas, muito menos o avental ou os sapatos sociais escuros. Continuei meu serviço, servindo mesas, limpando mesas, repondo estoque, limpando mais mesas, fazendo milk shakes e mistos... todas essas coisas que eu era obrigada se quisesse um adicional.

  Quando enfim deu onze e meia, fui até os armários, peguei minha bolsa que ficava em cima de um e me troquei no banheiro. Finalmente, vesti meu macacão jeans, enfiando o cropped branco de qualquer jeito e amarrei os cadarços dos meus All Star preto de cano alto que eu usava para absolutamente qualquer coisa.

  Soltei meus cabelos, massageando o couro dolorido e me certificando de que a redinha não tinha marcado muito minha testa.

  Arrumei os cachos, juntei tudo o que tinha para juntar e saí rapidamente pela porta dos fundos. A bicicleta que um dia teve azul bebê como cor primordial agora se encontrava totalmente desgastada, adquirindo o metálico do metal como seu novo estilo.

  Atravessei minha bolsa na lateral do meu corpo e comecei a pedalar, já acostumada com os pedais quebrados e a cela rangendo.

  Não tive tempo para pôr música, o que só fui reparar quando já tinha saído do beco para pegar a avenida principal.

  Os carros passavam feito loucos enquanto eu me limitava a ficar quase colada no meio-fio da calçada, torcendo para não estourar nenhum pneu, caso contrário, eu sabia que haveria muitas consequências.

  Depois de atravessar a cidade toda, cheguei na escola no mesmo instante em que o sinal bateu, só me restando a opção de certificar três vezes se a bicicleta estava segura antes de entrar correndo.

The choice - Selenya (Crossroads saga).Onde histórias criam vida. Descubra agora