Chapter II - Conhecido.

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  Falei sozinha a maior parte do tempo, enquanto apresentava a casa, já que o menino parecia não falar ou ter muita vergonha, apesar de ele andar com muita confiança para ser introvertido. Além disso, encarava cada canto com tanto cuidado que parecia estar fazendo uma análise minuciosa de todos os metros quadrados do lugar.

  Giulia e Helena foram as únicas que encontrei rondando pela casa, tendo alguma ideia de onde as outras estavam: no porão jogando cartas, mas nem comentei qualquer coisa com o garoto novo.

  Mantinha minhas mãos nos bolsos, enquanto tentava estabelecer uma voz firme. que passasse que eu era uma pessoa normal, ou qualquer coisa que desse a impressão de que não valia a pena encher a minha paciência.

  Subi as escadas, plenamente consciente de que ele estava atrás de mim.

  - Os quartos do final do corredor são das meninas e esses do início são dos meninos - parei de frente para ele, cruzando os braços.

  Só então pude reparar melhor nele: tinha olhos azuis, cabelos longos e escuros, usava um brinco de pedrinha na orelha esquerda e tinha covinhas nas bochechas que, se ele fosse capaz de sorrir, deveria ficar mais evidente.

  - Quantas crianças vivem aqui mesmo? - Perguntou, falando comigo pela primeira vez.

  - Oitenta, contando com você e excluindo as freiras.

  Ele fez um bico, impressionado e passou as íris azuladas pelos corredores, inspecionando cada lugar com o mesmo cuidado de antes. Depois, voltou os olhos para mim, os mantendo por longos segundo no meu rosto, me dando a certeza que eu corei logo que desviei o olhar, encarando seus tênis All Star brancos.

  Pude ouvir uma lufada de ar sair como uma risada e afastei meus cachos do rosto para poder olhar ele outra vez.

  - O que foi?

  - Nada, Selenya - ele deu de ombros, mantendo um sorriso de canto nos lábios. - Você não mudou nada.

  Franzi o cenho e apertei os olhos, estreitando-os na direção dele, buscando algum significado nas suas palavras. Então minha mente se acendeu como uma lâmpada.

  Aqueles olhos azuis... acima deles, uma cicatriz cortava o canto da sobrancelha, devido a queda de bicicleta. Aquelas covinhas... eu costumava pensar que eram buraquinhos onde pequenas fadinhas dormiam durante a noite.

  - Dany... tipo, o Dany - perguntei, incrédula, o vendo sorrir. - Dany Minê?

  - Em carne e osso - ele abriu os braços.

  Nós tínhamos nos visto pela última vez há mais de oito anos. Éramos melhores amigos desde que eu me entendia por gente, mas depois que sua avó teve que se mudar, nunca mais tive notícias dele.

  Quis perguntar como estava a vó dele, afinal, era uma senhorinha adorável que sempre me recebia muito bem na casa dela, mas, se ele estava ali, só podia ser por um motivo. Meu sorriso sumiu imediatamente.

  - Sinto muito por ela - comentei.

  - Tudo bem. Ela estava feliz. E foi isso que importou, no fim das contas.

  Anui, sem saber muito bem o que dizer.

  Ele tinha sido meu único amigo de verdade, era a única pessoa que, de vez em quando, me perguntava como estava, e eu mal o reconheci. E logo num momento tão delicado da vida dele.

  Me aproximei e toquei seu ombro de leve.

  - Eu não queria dizer isso, mas... bem-vindo - ele sorriu de canto, exibindo as covinhas, e tocou minha mão, dando palminhas seguidas.

The choice - Selenya (Crossroads saga).Onde histórias criam vida. Descubra agora