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- Beleza, então o que realmente aconteceu?- José quis saber exatamente o que aconteceu no Natal.
- É isso: ele me chamou pra almoçar com ele e almoçamos.- respondi sem a menor vontade de entrar em detalhes.
- Mas vocês só almoçaram ou ele foi a sobremesa?- José é meu melhor amigo hétero (porém nem tanto) que trabalha comigo.
- Mano...
- Não é assim que todos os encontros gays terminam?
- Não foi um encontro!
- Cara, vocês literalmente fizeram almoço juntos e beberam vinho enquanto assistiam um filme de Natal tão boiola quanto um filme de Natal pode ser. O que caralhos foi isso então?
- Um almoço de Natal onde não havia desejo sexual de ambas as partes?
- Como você consegue ser tão oblivious?- José, assim como uma pessoa bilíngue de berço, soltava volta e meia coisas em inglês quando esquecia o equivalente em português.
- Olha, não quero criar nenhum tipo de desejo além de paixonite platônica por ele. Ele é meu vizinho!
- A foda ficaria bem mais fácil já que os dois tem local e moram literalmente ao lado um do outro.- ele parou de me dar atenção e foi fazer seu relatório atrasado.

- Certo- começou ele quando chegamos ao bar depois do expediente.- Porque você não o chama para vir aqui?
- Como assim? Do nada?
- Bom, um amigo meu está vindo, poderíamos fazer uma partida de duplas na sinuca.
Pensei seriamente em tentar mostrar para o José em números e estatísticas o porque gays e sinuca não combinam, mas também não podia deixar passar despercebido que imaginar Luís jogando sinuca me fez querer dar um gole bem generoso na cerveja para abaixar o fogo.
- Tá.- Peguei meu celular e comecei a digitar uma mensagem.
- Liga pra ele.- José disse.
- Viu mandar mensagem.
- Liga.
- Não.
- Deixa de ser teimoso. Liga logo.
- Porque?
- Confia em mim.
Revirei os olhos, respirei fundo, sai do bar e liguei.
- Saulo! Que surpresa boa!
- Oi, Luís... É... Sei que você deve estar com planos mas... Eu tô num bar na Rua Sete, com uns amigos, e... Bom, queria saber se você gostaria de vir aqui e... Sei lá... Jogar sinuca, mesmo que não perguntei se gosta de sinuca. Você gosta de sinuca? Não precisa jogar sinuca, pode só vir pra cá, seria bom ter você aqui, digo, sair com você...- fui cortado pela gargalhada dele do outro lado da linha.
- Eu adoraria! Amo jogar sinuca. Qual o nome do bar?
- Bola Oito, na esquina da Rua Sete com a Avenida Azul.
- Chego em 10 minutos.

- Feliz agora?- disse, encontrando José e um outro rapaz no balcão.
- Ele vai vir então?- ele disse, mais entusiasmado que eu.
- Chega em dez minutos.
- Bom, bom.- Ele olha para o rapaz do seu lado.- Esse é o João. João, esse é o Saulo.
- Ah, o famoso Saulo! Prazer!- ele disse, estendendo a mão para que eu apertasse.
- Prazer... famoso?
- Sim, a quantidade de vez que você é citado num dia chega ser estranha.
- Isso é ciúme?- José brincou.
- De forma alguma...- João disse, tomando um gole da cerveja.
Tentei não parecer confuso em identificar qual era a relação dos dois, mas esconder minhas expressões faciais nunca foram uma habilidade.
- Qual é a dessa cara?
- Nada, só não...
- A gente tá tendo um... trem.- José disse, olhando pra João.
- Um trem?- eu perguntei.
- Um trem?!- João indagou.
- É, uai. Até agora não recebi nenhum pedido de namoro, então a gente tá tendo um trem.- José solfava informações de forma tão sútil quanto um coice de mula.
- Como assim? Você não era...? Eu tô tão confuso...- respondi.
- Confuso com o que? Sou pansexual, uai.- José disse, tomando um gole da cerveja.
- Mas você nunca me falou sobre ficar com caras.- eu disse, levemente indignado.
- Quando eu digo pessoa sem expressar diretamente o gênero geralmente estou me referindo a um cara.
- Tá. Beleza. Mas agora, um trem?- eu disse.
José revirou os olhos, olhou diretamente pra João:
- Você quer namorar comigo?- ele disse, da forma mais blasé possível.
- Depois de 3 meses? Achei que nem precisava desse pedido.- João deu um selinho em José e eles riram.
Por cima do ombro de João, vi Luís chegar.
- Ele chegou. Como eu tô? Tô muito desarrumado?
Eles olharam ao mesmo tempo para o Luís.
- Que gatinho.- João disse.
- Bom gosto, hein. - José retrucou.
Eu olhei para Luís fazendo um sinal para que ele se juntasse a nós. Apresentei João e José e pedimos mais cervejas.
- Então, como foi o dia? Você parece meio exausto.- Luís disse.
- Ah, foi bem calmo, na verdade. Não fiz nada mais do que o habitual.
- E com que exatamente você trabalha?
- Trabalho com editor de uma revista britânica que tem sede aqui no Brasil. Geralmente só traduzo alguns artigos e faço a revisão e edição de outros.
- Ele, na verdade, é um dos melhores escritores do escritório mas sempre fica se colocando pra baixo, recusando ofertas de promoção.- José acrescentou.
- Enfim, mas e você? Como foi o dia? Com o que trabalha?- perguntei, tentando tirar a atenção de mim.
- Meu dia foi bem produtivo, na real. Eu trabalho como designer gráfico freelancer.
- Que legal! E como isso começou?- eu perguntei.
- A mesa tá livre. Vamos jogar!- José cortou.
Dividimos duas duplas: eu e Luís, José e João. Começamos o jogo.
- Então, sobre como começou.- Luís seguiu a conversa.- Comecei com alguns desenhos para pequenas empresas, como logomarcas e coisas assim. Depois fiz skins para alguns personagens de jogos, o que me deu um dinheiro pra eu começar a estudar sobre design gráfico, aí eu tô aqui agora.- ele encaçapou a primeira bola.
- Então você desenha também?- eu disse, enquanto observava com um desejo maior do que eu queria ele segurando o taco. Na minha cabeça, era uma das cenas mais sexies que eu presenciei.
- Eu tenho alguns poucos desenhos... sua vezes.
Me preparei e mirei. A bola em questão era a 4, então me concentrei. E errei.
Seguimos a partida até que nossa partida na mesa acabou e a cedemos para o próximo grupo que a usaria.
Chegamos no balcão novamente e Luís foi ao banheiro.
- Cara, que hora vocês vão se beijar logo?- José disse.
- Como assim?
- Vocês estavam quase se comendo na mesa de sinuca, ignorando completamente nossa existência.- João disse.
- Desculpa isolar vocês...
- Não é isolando, só achei... bonitinho.- José disse.
- Não vou tentar nada, se é o que você está insinuando.
Eles reviraram os olhos. Luís voltou e se sentou ao meu lado. Ele tinha as maçãs do rosto levemente avermelhadas pelo álcool. Sua boca estava úmida e, como sempre, aberta em um constante meio sorriso. Olhar pra ele sem desejar beija-falo era basicamente impossível.
- Pode me mostrar alguns de seus desenhos?- eu me vi dizendo, automaticamente.
- Bom, não tenho foto deles, mas tenho um caderno de desenhos em casa. Posso te mostrar qualquer dia.
Sorrimos, e continuamos a conversa no balcão.

Mais tarde, João nos deu carona de carro até o prédio. Nos despedimos e subimos as escadas.
- Bom, boa noite.- eu disse, parado em frente à porta do seu apartamento.
- Boa noite, Saulo. Obrigado pela noite de hoje.
- Eu me diverti bastante!
Ele sorriu, me deu um abraço longo, e terminou com um beijo no meu rosto.
- Vamos repetir isso depois. Até mais.- ele disse, fechando a porta.
Segui até meu apartamento, tomei um banho quente a fim de me acalmar, vesti uma roupa leve e deitei. Encarando o teto, tudo que voltava a minha mente era o rosto semi-bêbado de Luís e uma voz na minha cabeça gritando "que vontade de beijar você".
- Fudeu.

Pisca-piscaOnde histórias criam vida. Descubra agora