- Como assim meu irmão vai vir morar comigo ano que vem?- ótimo jeito de começar o dia.
- Isso mesmo, Saulo.- minha mãe confirmou.- Ele quer fazer faculdade aí e eu não vou pagar um aluguel de kitnet para ele, então ele vai morar com você.
- Ele tá doente? Incapaz de sair da cama?
- Claro que não, que pergunta é essa?
- Então ele vai chegar aqui, vou ajudar ele a arranjar um emprego e ele vai pagar parte das contas e do aluguel.
- Tem a pensão do pai dele.
- E o resto das coisas? $250 reais hoje não compra nem o suficiente para passar uma semana.
- Eu vou dar um jeito. Não quero que ele passe o perrengue que você passou estudando e trabalhando em outra cidade.- me doeu ouvir isso dela. Morar em Fagulha, uma cidade grande, sem apoio financeiro foi bem difícil, mas ver que meu irmão teria a mordomia de não preocupar com as contas e com trabalho me fez ficar meio puto. Mas não retruquei. A última coisa que eu preciso é de uma briga para estragar me sábado. O Luís estava dormindo na sala, e eu, como sempre, acordei cedo demais.
- Tudo bem. Ano que vem a gente conversa sobre isso.- suspirei fundo e tentei engolir o choro.- Eu tenho que ir agora, tchau mãe.
- Saulo...
Desliguei o telefone antes que ela pudesse falar algo. Um traço importante da minha mãe: passamos por muita coisa no passado, juntos e um com o outro. Sempre me senti menos importante que meu irmão que, diferente de mim, sempre teve tudo do bom e do melhor, e, claro, ele tinha um pai. Para minha mãe, crescer sem uma figura paterna foi um problema, por mais que eu não sinta de fato a falta dele (até porque não se pode sentir falta do que nunca teve). Mas isso é papo para um outro momento.
Enxuguei as poucas lágrimas que ousaram cair e me pus a preparar o café da manhã em silêncio. Admito que, assim que eu acordei, fiquei encarando o quão pacificamente belo o Luís é enquanto dorme. A expressão relaxada e os lábios levemente abertos, os cachos negros caídos na pele amadeirada, o formato do rosto, tudo nele parecia uma obra de arte. Deixei o café para coar por último pois sabia que o aroma de café passado poderia despertá-lo.
Dito e certo, assim que a primeira onde de café passado ressoou no apartamento, ouvi Luís espreguiçar no sofá.
- Bom dia- ele disse sereno e com um meio sorriso, chegando perto de mim.
- Bom dia... É...dormiu... bem?
Ele riu.
- Você não está acostumado em tomar café com um cara que dormiu com você?
Senti minhas bochechas queimarem.
- Geralmente não chegam nem a dormir, na verdade.- soltei sem pensar. Houve um breve silêncio, depois uma gargalhada singela.
- Sim, Saulo. Eu dormi bem sim, e você?
- Também, também.
- Inclusive, você tem algum apelido? Geralmente trato meus amigos por apelidos.- "amigo". Perfeito! Dormi com o cara e sou automaticamente colocado na friendzone.
- Ah, minha família me chama de Aluado, porque diziam que eu ficava muito tempo olhando pro nada e rindo quando eu era criança. Mas, hoje em dia, só meu irmão me chama assim.
- Você tem irmão?- acho que esqueci de mencionar isso.
- Sim, eu... sou o mais velho. Ele acabou de terminar o ensino médio e está vindo pra cá morar comigo a mando da minha mãe.
- Que legal! Eu tenho um irmão também, ele é mais novo três anos. Mora numa cidadezinha perto da nossa cidade natal.- ele disse, tomando um copo de café.
- E... vocês conversam normal?
- Às vezes. Já faz alguns meses que não conversamos, mas ele é meu irmão por parte de pai só. Então acho que nunca tivemos um contato muito grande.
Era perceptível a tristeza no olhar, como se ele quisesse ser mais próximo mas algo o impedia. Não sei porque, mas permiti que minha boca cuspisse algumas palavras.
- Você deveria ligar pra ele.
- Você acha?
- Sim! Espírito natalino e tals.
Ele me olhou, havia uma pitada de esperança em seus olhos. Ele pegou o celular, desbloqueou e digitou uma mensagem. Não iria ser mais intrometido e perguntar o que ele tinha escrito, mas não demorou muito para o celular dele tocar.
- Vou colocar no viva-voz, tudo bem?- ele disse. Eu acenei positivamente.- Alô...
- E aí, Luís. Quanto tempo... feliz natal atrasando, inclusive.- A voz no telefone parecia um pouco com a voz do Luís, só que mais grave.
- Feliz natal, Felipe. Eu... sei lá, queria saber como você está, me reaproximar talvez... se você quiser...
- Ah, mano, eu também quero me aproximar. Falei de você ontem para um... amigo... bom, tenho pensado bastante em você. Eu estou bem, trabalhando na Serra, professor infantil, acredita?
- Que bom, que bom. Eu tenho acompanhado sua jornada aí pelo Instagram. Eu... tô na casa de um... amigo. Fala oi, Saulo.
- Oi!- eu berrei. Ouvi uma risada do outro lado do telefone.
- Oi, Saulo!- ele disse meio risonho.- Luís, quero te pedir um conselho.
- Certo...
- Bom, você é a primeira pessoa pra quem eu tô contando isso, acho que vai ser a melhor pessoa pra quem eu possa perguntar, mas... bem... eu meio que... tô gostando... de uma pessoa.
- Tá... e como essa pessoa é?
- Então, o maior problema é que... é um cara.
Houve um silêncio é uma expressão confusa na cara de Luís.
- E qual o problema?- ele finalmente respondeu.
- Bom, eu... até onde eu sabia, eu era hétero. Não tô entendendo muito bem o que tá acontecendo.
- Vamos aos pontos. Como vocês se conheceram?
Senti que era minha deixa pra poder levantar e ir fazer algo. Era um momento muito íntimo para eu estar me intrometendo assim. Comecei a lavar a louça do café, e pensar no que faria para o almoço. Peguei meu celular e me desliguei da realidade um pouco, mas não muito devido às 17 mensagens do José querendo saber o que tinha acontecido ontem. Entrei no meu quarto para poder gravar um áudio.
- Não aconteceu nada de mais. A gente viu o filme, bebeu um pouco, depois caímos no sono. Só isso.
A resposta veio 30 segundos depois.
- Vocês dormiram juntos então? Que coisa fofa. Agora vai lá enfiar sua língua na garganta dele.
A porta se abriu imediatamente e Luís vinha com os olhos brilhando.
- Quem vai enfiar a língua na garganta de quem, meu Deus? Você tá vendo pornô?- ele brincou. Senti meu rosto pegar fogo.
- É o José falando merda como sempre. Mas e aí, como foi?
- Bom, aparentemente meu irmão está apaixonado pelo melhor amigo dele e não quer falar sobre porque tá com medo de estragar a amizade, por mais que o melhor amigo seja abertamente gay... algo que eu posso entender...
- Já aconteceu com você?- eu perguntei com medo de a situação ser atual e alguém poder roubar ele de mim... por mais que eu não tenha demonstrado meus sentimentos por ele... porque eu não os entendo.
- Seu apelido realmente combina muito com você, Aluado.- ele disse sorrindo.- Ah, vamos almoçar lá em casa hoje. Quer chamar o José e o João?
- Você quem sabe, Luís.
- Chama eles então. Vou porque quero tomar um banho. Não quero que você me veja como uma pessoa suja.
"Impossível você ser qualquer coisa além de perfeito", eu pensei.A tarde foi ótima, jogamos War, bebemos um pouco, conversamos sobre muitas coisas. Queria poder demonstrar que estou interessado no Luís. Queria poder dizer tudo que sinto por mais confuso que seja. E eu o faria sem medo, caso tivesse a certeza de que não iria perder sua amizade.
Gostar de alguém é confuso.

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Pisca-pisca
RomanceUma garrafa de vinho e um convite para passar o dia do Natal: foi assim que passei meu 25 de dezembro. Meu vizinho me tira bons suspiros, e eu sou um romântico (emocionado) incorrigível. Será que eu deveria parar de criar expectativas mesmo a gente...