II

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2002, pouco menos de 9 meses após o 11 de setembro.

Naquela manhã, o céu estava mais azul do que em qualquer momento dos últimos meses de frio excruciante. E as pessoas estavam na rua, movendo-se em um ritmo cadenciado e frenético pelas ruas em uma massa homogênea, responsável por dar forma à criatura gigante, indestrutível e profundamente enraizada até as fundações do nosso mundo, o Capitalismo. Tal besta colossal que é responsável por fazer o mundo girar e girar e girar, em uma roda cada vez mais desgastada. É claro que, antes, existiu outra besta tão colossal quanto, mas definitivamente não tão poderosa. Ou é o que se imaginava naquela época.

Talvez a percepção quanto a tudo isso tenha ocorrido quando essa besta anterior morreu – destruída após as duas Grandes Guerras.

Nas ruas, as pessoas agiam como se controladas – o que não deixa de ser uma verdade –, sem demonstrar qualquer sentimento, empatia ou qualquer coisa similar. Diziam os sábios que os neandertais é que eram frios e desprovidos das suas faculdades mentais, mas na verdade, a atual sociedade é que é bem pior. Milhões de vezes pior. Fosse talvez por isso que alguns se relacionavam tão bem com os outros.

Essa incessante massa de corpos movia-se abruptamente, acotovelando-se pelas ruas e metrôs. Nos museus e shoppings. E talvez até mesmo nos parques.

Naquela manhã de 2002, em um centro cirúrgico, uma jovem de vinte e um anos deu à luz ao seu filho primogênito (spoiler alert: sou eu!). Como eu já disse anteriormente, eu não fui planejado e muito menos eu pedi para nascer. As manchetes que se estampavam os jornais é de que a herdeira de uma grande fortuna, havia dado à luz ao seu primogênito. As fotos exibiam uma jovem bronzeada, platinada e de olhos azuis brilhantes. Ao lado dela, um rapaz alto e musculoso, de maxilar quadrado bem-marcado e cabelos castanhos (e adivinhem, otários, esses são os meus pais).

Meus pais se tornaram ricos e famosos. Vocês podem pensar, o que alguém que tem tudo, pode ter de errado na vida? Aí é que a coisa pega...


Eu deveria ter cerca de cinco anos de idade quando tudo começou a degringolar na minha vida. Eu me lembro, com exatidão, daquele dia. A longa mesa da sala de jantar estava disposta. Panquecas, frutas, ovos, bacon, sucos e todos os tipos de alimentos saudáveis e nutritivos. Por mais que eu tivesse consciência – bem, em parte, de novo eu tinha cinco anos de idade e, nessa idade, o seu cérebro é uma geleia e sua consciência é tão ou quase igual a uma amoeba. Quero dizer, eu e você, todo mundo, somos amoebas. A diferença é que eu sou uma amoeba ansiosa.

Enfim, meus pais estavam sentados próximos de mim e eu me mantinha o mais afastado que conseguia da mesa. Não é que eu fazia aquilo tudo para irritá-los, é só que... bem, eu não era uma criança tão convencional. Entretanto, meus pais tinham uma predisposição ainda maior que os outros adultos para se irritarem com coisas bestas, considerando que eles tinham vinte e cinco anos, e três filhos. Uma decisão que só é possível por uma coisinha que é chamada burguesia. Afinal, eles gostavam de transar, mas até aí, quem é que não gosta? Eu não gosto, mas foda-se. O problema é que eles gostavam de sexo tanto quanto não gostavam de usar métodos contraceptivos. Logo, um ano e meio após eu nascer, vieram meus irmãos gêmeos.

Um luxo que somente pessoas muito ricas podem se dar.

Enquanto eu encarava o prato, com os grandes e inocentes olhos que somente uma criança tem, meus pais discutiam sobre alguma coisa. Eu não consigo me lembrar tão bem qual foi o teor da conversa, só sei que, para a minha mente fértil, todas as conversas e discussões que eles tinham se transformavam em uma única coisa: um amontoado de sons bizarros e sem sentindo algum que se embaralhavam cada vez mais e mais e mais, até minha cabeça doer.

As Provações & Tribulações de Ser um Adolescente no Século XXIOnde histórias criam vida. Descubra agora