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Quando eu disse que o verão tinha sido terrível para outras pessoas, eu não estava brincando.

Eu sei que até o momento vocês leram sobre mim e sobre o que eu vivi. Vocês vão continuar a conhecer a minha história, não se preocupem. Contudo, esse novo capítulo da história é dedicado a um novo personagem desta história: João Pedro Improta.

Se eu vivo em um bairro de pessoas abastadas, ele vive em um bairro similar, do outro lado da cidade. Um bairro residencial marcado por casas iguais e monótonas que se parecem com caixas de sapato empilhadas e sobrepostas, com exceção de uma única: a grande casa de vidro e projeto arquitetônico único que destoava completamente das demais. Como se fosse uma pessoa extremamente bela em meio às feias (geralmente eu sou a pessoa feia, mas vou continuar a narração).

Era neste endereço que João Pedro Improta vivia.

João era o garoto mais popular da maldita escola e conhecido por todos na maldita cidade. Ainda que os meus pais fossem quem fossem, os pais dele eram donos da escola e da principal construtora, e da faculdade privada ultra tecnológica.

Ou seja, ele tinha tudo para ser um babaca e escroto que acha que o mundo gira ao redor do próprio pau – e, bem, ele é ainda pior.

Diferente de mim, João foi planejado por muito, muito tempo. Muito. Tempo. Mesmo. Só que os seus pais não conseguiam engravidar. Até onde eu sei (e eu posso estar falando muita merda aqui), eles deixaram para ter filhos quando tivessem sucesso e, quando decidiram que era a hora, ambos já haviam passado dos trinta e seis anos. Inúmeros tratamentos foram feitos, mas nenhum deles dava certo. Gastaram milhões de reais para, no fim, descobrirem que a mãe dele, Anelise, havia passado do seu "prazo de validade".

Como se ela fosse alguma vaca parideira ou uma mercadoria estragada. Infelizmente, na maioria das vezes, mulheres como Anelise são vistas assim por homens como o seu marido. Mesmo que estejamos em pleno século XXI, mas até aí também, não é um argumento muito válido, afinal, vocês estão escolhendo boçais como presidentes, por favor. A cada dia que passa eu realmente creio que estamos voltando à idade das Trevas. De volta ao João Pedro...

Anelise Improta chorou por dias e mais dias, viveu uma depressão profunda que foi oriunda da culpa que ela atribuiu a si próprio por não conseguir engravidar. Eu ouso dizer que tivesse sido a culpa ou o choque de uma verdade aterrorizante de que seu sonho de ser mãe não se concretizaria, e tudo isso a transformaram em uma mulher acabada. Ela emagreceu mais de dez quilos de forma drástica e em pouco tempo. Anelise passou de uma mulher de beleza estonteante, para um cadáver vivo.

Ela definhou como se tivesse sido envenenada.

O problema da Anelise é que ela acreditava ter falhado no seu papel de mulher, como se o único papel dela e de toda e qualquer mulher no mundo fosse apenas o de gerir uma criança. Um pensamento que, na verdade, não passa de uma constituição social nojenta e misógina que trata as mulheres como 'seres inferiores'.

Me pergunte quem criou essa cultura asquerosa e provavelmente voltaremos a debater o assunto da Bíblia, Deus e religiões.

Voltando ao meu foco aqui.

Os dois gritavam um com o outro, Anelise e o marido. Gritavam e... se agrediam.

Ok, vou ter que avisar a vocês (ainda que eu não ache que seja necessário, mas às vezes eu sinto a presença de Irmã Dulce e realizo uma boa ação samaritana. Neste capítulo, enquanto eu estiver narrando a história do João, quero que fiquem alertas sobre um assunto bem delicado: violência doméstica contra a mulher, abuso sexual e violência e abuso físico, psicológico e financeiro.

Voltando...

O marido de Anelise a culpava, aos berros, por isso.

­— VOCÊ É INCAPAZ DE FAZER A ÚNICA COISA QUE DEVERIA!

As Provações & Tribulações de Ser um Adolescente no Século XXIOnde histórias criam vida. Descubra agora