II

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E veio aí mais um!
Me digam o que estão achando, amoreees!

     Já faziam 40 minutos? Mais que isso? Talvez até mais de uma hora. Kelvin não sabia ao certo, até porque o cara no banco da frente tinha seu celular. Eles estavam viajando por uma rodovia, tinham saído do perímetro urbano a algum tempo e pra piorar a noite em claro que tinha passado lendo, começava a cobrar dele, estava tentando ficar acordado, talvez o estresse fosse um pouco demais pra ele, mas não estava realmente com medo, sabia que se resolveria, o que lhe preocupava de fato era a reação de seu pai quando soubesse e a decepção que passaria dias lhe mostrando sentir. Mas uma meia hora talvez e ele adormeceu.

     Kelvin acordou quando sentiu alguém cutucar seu braço e uma voz que dizia: já chegamos, rapaz! Abriu os olhos, um pouco ofuscado pela claridade, era dia. Já era dia e ele não tinha ideia onde estava e quanto tempo tinha viajado. Olhou pra fora e viu uma casa enorme, linda e o entorno parecia rural. Perguntou onde estava e não teve resposta, percebeu que estava com fome e seguiu o homem, agora a luz do dia podia ver que pelo porte, era provavelmente um segurança. Foi levado até um quarto, era um quarto bonito, com uma cama de casal, um roupeiro, uma mesinha ao lago da cama com abajur e um sofá logo abaixo da janela, a janela tinha grades, mas dava visão pra um jardim bonito e mais longe podia ver montanhas e o nascer de um lago. Sentou alí no sofá quando foi deixado sozinho e notou também uma porta, que certamente dava acesso a um banheiro, tentou várias vezes em vão decifrar o que estava acontecendo, pensou em motivos bizarros de estar alí, pensou até que seu pai poderia estar lhe dando uma lição, mas aquilo não fazia o estilo dele. Algum tempo depois, uma empregada entrou com uma bandeja com frutas, suco e um sanduíche e a barriga de Kelvin quase se contorceu.

     Ela colocou a bandeja na mesinha e lhe deu um sorriso educado com um aceno de cabeça.

— Oi, obrigada...eu estava com fome.– disse ele na tentativa de começar uma conversa– que horas são?
— São duas da tarde, senhor.
— Pode me chamar de Kelvin, você pode me dizer onde eu estou? É que eu acho que está acontecendo algum tipo de erro aqui...
— Logo, alguém vem falar com o Senhor e trazer algo pra vestir, então o senhor vai poder tomar banho.
— Mas eu não vou ficar– a calma aparente de Kelvin começava a sumir.
     A mulher simplesmente assentiu e saiu.

     Já deveria ser por volta das seis da tarde quando lhe trouxeram roupas e uma bolsinha com produtos de higiene pessoal. Estava terrivelmente entediado alí, sem seus livros ou celular, a possibilidade de fazer algo, mesmo algo tão básico como tomar um banho pareceu vir na hora certa, era algo afinal.
      Já no banho, com a água morna caindo pelos seus ombros doloridos da má posição da viagem se pegou tentando entender pela milésima vez a situação, estudou as possibilidades e as resumiu em três. A primeira, seu pai e uma lição que não chegava a crer de todo provavel. A segunda, Ramiro sendo um serial killer desses de casa bonita, que brincam com suas vítimas antes de eliminá-las, teoria bem fantasiosa e a terceira, sequestro a troco de recompensa, alguém já estava o vigiando como alvo, visando o dinheiro de seu pai e o sequestrou, não sabiam onde estavam se metendo. Provavelmente a teoria correta, o que destoava era o luxo e a disciplina daquele lugar, não parecia ser de alguém que queria dinheiro. Era isso, quanto mais pensava, mais divagava.
     Saindo do banho, encontrou uma bandeja com sopa, chá e torradas, se sentia em uma merda de uma série de época, era confuso e frustrante.

     Do outro lado da propriedade, no escritório, que ficava dentro do galpão usado como gerência da exportadora NR, Ramiro bebia seu uísque, depois de ter lido e relido informes de suas equipes de segurança, as oficiais e as não tão oficiais também e ainda não tinha chegado a uma conclusão.
     Pra quê diabos Antônio tinha jogado aquele cordeirinho no seu colo, a história não encaixava. Ele tinha tentado marcar aquele acerto de contas a meses, cinco pra ser exatos, porque o assunto não podia ser resolvido por meios legais, mas Ramiro não podia perdoar e Antônio sabia muito bem disso e justamente por isso tinha adiado sempre, com todo tipo de desculpas esse encontro. A justiça que vigorava na organização dava a Ramiro o direito de acertar as contas e o velho maldito sabia disso, mas tinha tentado e até agora, conseguido driblar todas e cada uma das tentativas do pessoal dele. Quando Menah, sua assistente lhe informou que tinha marcado o jantar, Ramiro desconfiou na hora e quando ouviu que o filho tinha vindo no lugar dele, tentou imaginar que possível arma secreta o maldito tinha, imaginou que teria um oponente perigoso, ja que a última vez que tinha ouvido falar do filho de Antônio quando assumiu os negócios depois da morte de seu pai e o que escutou a respeito foi que o menino estudava no exterior e lá ia ser capacitado pra assumir sua parte no negócio. Mas quando viu Kelvin se aproximar, nada fez sentido na sua cabeça, tinha gastado o dia inteiro tentando adivinhar qual o movimento do oponente e pediu pra que trouxessem o rapaz, porque se não entendesse, ele mesmo o contaria, disso Ramiro estava certo.

     Kelvin acordou na manhã seguinte, mais uma vez com a sensação de não saber onde está e que horas são, mas logo percebeu a presença da empregada com sua bandeja de café.
— Oi, bom dia! Não vá embora porfavor, se eu não conversar com alguém vou esquecer como é minha voz.
Ela riu, cobrindo a boca.
— Mas faz só um dia, garoto.
— Você tá me chamando de dramático?
— O senhor vai se chatear se eu disser que, um pouco?
Kelvin sorriu, pelo pequeno progresso e foi até ela estendendo a mão.
— Kelvin, me chame de Kelvin.
— Angelina– ela apertou sua mão.
— Eu vou ficar aqui, vivendo de refeições, banhos e sonecas, Angelina?
— Na verdade eu vim trazer a comida e lhe dizer que em uma hora o senhor tem uma reunião com o Chefe.
— Ah, finalmente...e quem seria o Chefe?

     Lógico que Angelina saiu sem dar mais detalhes e Kelvin tentou comer e ignorar o nó no estômago de preocupação, ao menos eram amáveis com ele– pensou– mas e se aquilo fosse uma tática, parte de um ritual macabro... ele riu da própria imaginação infantil e escolheu dessa vez não se questionar e comer olhando o jardim. Uma hora depois estava sendo levado por um segurança e Angelina, até o andar de cima, tentava absorver os ambientes do lugar, tudo parecia rural demais, branco e azul e madeira... passou em frente a um salão e viu brinquedos espalhados, ia perguntar a Angelina, mas ela seguia olhando pra frente sem dar margens a conversas paralelas.

     Chegaram a uma porta grande no fim do corredor, o segurança bateu e Angelina entrou, saiu segundos depois dizendo que Kelvin podia entrar. Nesse milésimo de segundo ele ouviu seus batimentos fortes e teve medo, mas entrou, era ao contrário do que pensavam por aí, alguém muito capaz de resolver seus problemas.
     Passou pela porta e a fechou com cuidado e então a cadeira do outro lado do escritório se virou e lá estava ele, Ramiro Neves, com uma camisa de mangas longas de seda azul marinho, com uns bons três botões abertos, um braço descansando no repouso de braços da cadeira, a outra mão fazendo um sinal pra que Kelvin sentasse e a cara de poucos amigos.
Kelvin apreciou a visão? Sim, claro. Mas agora mesmo o que Kelvin sentia era raiva, pra que aquela cerimônia ridícula? Porque não falou com ele no jantar, esse cara era imbecil?

O imbecil começou a conversa:
— Eu espero que esteja bem acomodado, sendo bem atendido...

— Você fala como se eu fosse o quê? Um convidado?

— Sim, um muito importante. Enquanto resolvemos nossas questões, por razões de segurança é importante que você passe uma estadia aqui.

— Você é idiota? Você está me mantendo em cárcere, incomunicável e contra minha vontade, não me venha com rodeios e diga logo o que você quer.

— Eu estou apenas mantendo o nível, Kelvin Santana. Mas se você quer falar claro...

— É claro que eu quero, se quisesse uma "estadia aqui" pra resolver, pra que marcar um jantar? Tivesse fa...

— Em primeiro lugar, eu não marquei e nem marcaria nada com você. – Ramiro levantou, usando um tom autoritário e apoiando as mãos na mesa– Em segundo lugar, pare de me interromper que eu não tenho paciência pra birra, espere a sua vez de falar, que é assim que funciona um diálogo.

     O sangue de Kelvin ferveu, porque as pessoas se achavam no direito de tratá-lo como um moleque, ele que foi raptado aqui, não ia se comportar como num pornô de quinta onde o twink pula no colo do cara mal, mas não mesmo! Ia colocar esse cara no lugar dele, levantou também o olhando nos olhos, enfrentando aquele olhar.

— E no lugar que você quiser, vá se foder! Vá conversar com sua turma, seu palhaço metido a galã rural, deixe de rodeios desnecessários e diga que porra você quer!

— Com minha turma? Você é o quê, uma criança? Você não sabe que nós somos exatamente a turma? Ou você acha que mafia é um bagulho chique russo-italiano? Meu negócio era com seu pai, aquele filho da puta, mas ele me mandou você e você vai me dizer direitinho o porquê?– O sangue de Kelvin passou de quente a gelado em segundos, achava até que a pressão estava caindo de vez, isso era ruim–Você vai pagar o que me deve no lugar dele, cordeirinho? Vai pagar como? – acrescentou Ramiro com um risinho profundo– Eu tô realmente querendo saber....

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