IV

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     Diferente das outras manhãs, hoje ao acordar, Kelvin não tinha esperado direção ou permissão de ninguém pra sair do quarto, jogaria o jogo, mas sería um jogador e não uma peça do Tabuleiro. Enquanto percorria o corredor, passou mais uma vez pelo salão e pode observar com mais calma o menininho ali. João era lindo, estava agarrado num copo do hulk enquanto assistia um desenho de super heróis,com a carinha de sono e os cachinhos bagunçados. Certamente falar com ele não era recomendável, mas Kelvin era péssimo seguindo recomendações e sabia muito bem o que era crescer sozinho com sua imaginação, porque não falar um pouco com ele?

     Entrou, se aproximando do menino que simplesmente não percebeu a presença dele.

— Oi - acenou sorrindo e o menino o olhou soltando o canudo que tinha preso na boca- Eu sou o Kelvin, sou novo aqui, estou indo tomar café, aí vi você. Você mora aqui?

Aparentemente ter sido criança não capacitava ninguém a puxar assunto com uma. Mesmo assim João respondeu.

— Uhum.

— Ah, como é seu nome?

— João- ele respondeu parecendo timidamente interessado.

— Você vai ser um super herói João?

— Só quando eu for grande.

— Ah, você não tem idade ainda, você tem quantos, 11?

O pequeno riu, com os olhinhos fechando e fazendo aparecer duas covinhas.

— Sete, só tenho sete, tem que ser grande pra ser herói, porque tem que dirigir e essas coisas.

Kelvin sentiu uma alegria genuína por ter sido capaz de quebrar o gelo, ele não era tão incapaz afinal.

— Ah, tá bom! Você quer ser o Hulk? Não precisa ser verde?

— Eu quero ser o Batman.

— Excelente escolha, eu sempre quis ser o homem aranha. Agora eu vou descer pra comer, mais tarde eu posso tentar desenhar o Batman com você?

     Kelvin desceu as escadas com um sorriso no rosto por ter conseguido animar um pouco o dia daquele menino, sete anos hein... e a mãe dele? Por onde andaria? Com aquele pensamento entrou na sala de jantar e como hoje estava destinado a ser um dia incomum, a mesa não estava vazia, Ramiro estava lá.
      Kelvin parou de supetão, fazendo o outro parar a xícara de café que estava levando a boca no meio do caminho.

— Bom dia!

— Bom dia, Ramiro.

Kelvin decidiu que tinha que se manter forte e convicto e foi com esse mindset que sentou a mesa demonstrando naturalidade e até um pouco de tédio, uma performance convincente. Se ele tivesse olhando pra o outro ao invés do excessivo foco na torrada que passava geleia, não teria perdido o sorrisinho de  divertimento no rosto de Ramiro. Que comeu o resto do seu café em silêncio e então levantou, enquanto o menor xingava em silêncio a sua educação ausente, ele voltou com uma pilha de livros nos braços e praticamente despejou em cima da mesa, ao lado de Kelvin que pensou em se assustar, mas preferiu se alegrar, foi inevitável. No instante seguinte estava abrindo e olhando as capas e contra capas de um por um dos oito livros que Ramiro lhe trouxe enquanto isso o preto continuava lá parado, observando a alegria de Kelvin, os olhos brilhantes...

— Não sabia que tinha tanto romance gay pra vender.

— O quê? Mas romance gay, só pedi dois.

— Mas enquanto eu procurava vi muitos, não sabia que tinha tantos em português...

Kelvin não conteve a gargalhada — Você lia em inglês, Rams?

— Você é muito abusado garoto. Tá aí  minha parte no trato. Hoje quando eu voltar, quero encontrar com você,  lá no meu escritório e ouvir você me contar bem direitinho a história que quero saber.

Dever E HonraOnde histórias criam vida. Descubra agora