Capítulo Cinco

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J

ace está aqui nessa casa para passar uns dias conosco. Descansar da vida corrida que leva. Eu guardo, em casa, recortes de jornais e revistas com reportagens que saem sobre ele ou sobre o sucesso que suas músicas fazem, interpretadas por outros cantores. Percebo que sua rotina o deixa bastante agitado e, às vezes, até com os pensamentos longe. Fico pensando se teria deixado alguma namorada esperando... Quase me entristeço, mas lembro que agora ele está comigo, com a nossa família. Azar o dela. Meus pais têm por Jace um amor indiscutível. A felicidade em tê-lo de volta está visível em cada rosto da minha família. Já tinha me esquecido como a presença dele, faz de minha mãe uma pessoa mais amigável. Ela o cobre de cuidados e atenção, como se ainda fosse o mesmo garotinho de antigamente, filho de seus melhores amigos. A morte dos pais de Jace, de fato, tornara minha mãe ainda mais amarga e tê-lo por perto, é a minha certeza de alguns momentos de paz.

Dot, mesmo mal humorada como sempre, deixa escapulir, vez por outra, sua satisfação de ter um dos seus meninos embaixo de suas asas novamente.

Ela não aparenta ter a sua idade. A visão de seu rosto moreno, de suas bochechas redondas, de seus braços acolhedores e de suas mãos calejadas, sempre me acalma. É em seu colo que encontro meu conforto maternal; um abrigo entre toda a fofura de seu corpo.

Deito para dormir e meu coração está tranquilo, enquanto ouço as ondas do mar batendo nas pedras. Camille ressona ao meu lado e sorrio com a normalidade que parece ter retornado a minha vida. Lá no fundo do túnel, o adolescente Jace sorri para mim, enquanto Jhon, joga a bola que rola até minhas perninhas curtas. Chuta! Quero ver você fazer o gol sozinha agora! E lá estou eu usando toda a minha força para orgulhar meus maiores

Incentivadores. O som do violão chega aos meus ouvidos. Venha garotinha... Vou cantar até você dormir. Só a cadência dessa voz me leva à calmaria. Sou um passarinho que voa para longe, sem medo, porque sabe que pode voltar...

Sempre haverá um lugar para pousar. Você sempre será minha garotinha e eu sempre vou te amar.

Os dias passam e Jace parece ter entendido que nada deveria mudar em nossa relação de amizade. É tão bom tê-lo de volta! Sempre conversamos todas as tardes, antes do jantar. Ele toca violão e, muitas vezes, acabo adormecendo sem comer. Todo o seu carinho e atenção me comove e me faz acreditar que um dia, ainda podemos ser felizes juntos.

Deus, preciso ser logo uma mulher de verdade! Não canso de repetir isso para mim mesma. Ou vou acabar matando minha própria irmã que não para de se insinuar para Jace. Fato que faz a nós dois rolarmos de rir quando estamos sozinhos e podemos falar do assunto. Na frente dela, sempre muito educado, ele retribui os elogios com sorrisos descompromissados e amigáveis. Hilário.

Resgatar nosso vínculo do passado está me fazendo muito bem. E acredito que ao Jace também. Ele tem sorrido mais e se divertido muito com os passeios que damos.

Estamos agora os dois, deitados numa toalha na praia. O violão, ao lado, descansa dos acordes de hoje. Tudo está em seu devido lugar, como nos últimos vinte dias. Pingo, ao longe, late e corre para pegar o graveto que eu lancei na areia. O céu, de um azul maravilhosamente lindo e nuvens muito branquinhas formam os desenhos que tanto gostamos de descobrir juntos. Aponto uma delas.

– Olha aquela... – ele acompanha meu dedo na direção da nuvem a que me refiro. – Parece um urso daqueles bem grandões e gorduchos! – solto uma risadinha.

– Obrigada, Clary. – diz sem tirar os olhos do céu. Eu estremeço. Sinto uma leve pontada de tristeza em sua voz. O que há de errado?

– Por que está me agradecendo? Eu não fiz nada! – viro a cabeça de lado, olhando para ele.

– Obrigada por você ter me mostrado que ainda posso sorrir como uma criança, digo sorrir de verdade! – realmente parece triste.

O que quer dizer? Que a sua profissão exige que seja sério demais? Eu não sei ao certo, mas me sinto feliz por eu ter a capacidade de fazer isso por ele. E provavelmente ser a única pessoa que faz isso por ele. Eu o olho docemente e ele pega minha mão e beija. Não precisamos de muitas palavras para dizer que está tudo bem.

Um silêncio incômodo aparece, enquanto continuamos olhando as nuvens no céu. Pingo já está deitado ao meu lado, com aqueles olhinhos que parecem tomar conta de tudo o que acontece ao redor dele. Um grandessíssimo fofoqueiro!

– Um tostão por seus pensamentos... – não resisto em usar a pergunta que fazemos quando um de nós está distraído. Minha curiosidade não está mais cabendo dentro de mim. Preciso saber o motivo do silêncio e da tristeza sutil.

– Você não mudou nada! – ri. – Quem consegue esconder alguma coisa de você quando me olha com esse doce olhar inocente?

– Aff. – reviro os olhos. – Lá vem você com esse papo de olhar inocente...

Dessa vez, Jace não ri. Volto a encará-lo porque o assunto deve mesmo ser sério.

– Clary... Eu preciso ir embora... – diz de uma só vez, quase num sussurro.

Minha voz morre no fundo da minha garganta. Meu estômago se revira e eu acredito que não vou mais suportar tanta dor que sinto no meu peito. Meus olhos queimam e nada do que eu disser agora vai me ajudar a segurar minhas lágrimas. Aguento com bravura, até que ele toca meu rosto com carinho e eu fecho os olhos. É quando a estúpida lágrima que eu tento inutilmente segurar, escorre pelo meu rosto. Jace se aproxima de mim e beija minha testa demoradamente. Isso é uma despedida.

Levanto num rompante e corro pela areia em direção a casa. Dessa vez não me importo com o ato infantil. Jace nada diz e também não vem atrás de mim.

Como da outra vez, ele entende que é preciso respeitar o meu momento. E o dele também. Nada do que disser agora, poderá tapar o buraco que se abriu entre nós. Um abismo nos separa. De novo.

Você sempre será minha garotinha e eu sempre vou te amar.

E eu já não acredito em príncipes e fadas. E agora, muito menos em falsas promessas.

Um amor quase impossível Onde histórias criam vida. Descubra agora