| prologo² | o mundo real

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O sol já brilhava forte há cerca de 8 horas, o calor de 31 graus assolava a pequena cidade litorânea no norte do estado de São Paulo.

Marcos abriu a porta de vidro da padaria local e entrou sem se abalar, com os olhares se voltando para si. Realmente, não estava nem um pouco apresentável. 

Os olhos fundos com olheiras perderam o brilho, a barba rala por fazer o fazia parecer largado, a bolsa transversal que carregava parecia pesada, usava um moletom manchado e chinelos de casa. Todos do bairro movimentado o conheciam, mas pela primeira vez em muito tempo o viram novamente naquele estado. 

Marcos deu alguns passos até chegar ao quadro de avisos da padaria, não muito distante do balcão, então abriu a bolsa que levava e tirou de dentro dela um cartaz e uma tachinha branca, a fim de deixar ali seus últimos esforços.

Mas, ao analisar com mais cautela o quadro em sua frente, deixou os braços caírem ao lado do corpo. Frustrado, era como se sentia. 

Virou-se em direção ao balcão com a testa franzida e encontrou a figura de alguém familiar que já o observava do outro lado do balcão com pena. 

— Beatriz… — chamou alto o suficiente para que ela o ouvisse dali. 

A barista suspirou em rendição e se aproximou alguns passos, permanecendo atrás do balcão sem dizer nada. 

— Onde estão meus cartazes? — o homem apontou para o quadro atrás de si, com alguns anúncios de moradores e avisos do estabelecimento. 

— Senhor Marcos, eu sinto muito. — Ela abaixou o olhar enquanto falava. 

Marcos se aproximou a passos largos do balcão, ficando frente a frente com a garota. 

— Não, senhorita. — Sem se assustar com a aproximação, ela apenas fixou o olhar nos sachês próximos às suas mãos. — Quem os tirou dali? 

— Nosso gerente… 

— E por que ele fez isso? 

Silêncio. 

— Beatriz. — Ela o encarou. 

— Não concordo com as atitudes dele, mas também não posso perder o meu emprego — explicou com a voz falha — então, por favor, não coloque mais cartazes aqui, senhor Marcos. 

Um soco foi dado contra o balcão, atraindo os olhares dos clientes. 

— COMO PODE ME PEDIR ALGO ASSIM?!

Beatriz abraçou o próprio corpo, estava chateada, apesar de não o culpar por agir daquela maneira. 

— Sei o que o senhor deve estar sentindo, ela era minha melhor amiga.

— Exatamente! Onde você estava quando ela desapareceu dentro desse lugar? 

— Eu…  

— Como Beatriz… Como é possível que ela tenha sumido aqui? — Os olhos caídos se tornaram vermelhos não só pelo choro, mas também pela raiva — E agora estão tirando meus cartazes, por que estão fazendo isso? 

A barista se curvou sobre o balcão e abraçou cuidadosamente os ombros do homem que desabava em sua frente. 

— Eu não sei… — uma lágrima caiu — mas ela vai aparecer.
 
No andar de cima da cafeteria, no mezanino, duas senhoras tinham vista privilegiada da cena. 

— É uma pena que coisas assim aconteçam com pessoas tão boas. — Uma delas, com cabelos curtos e pretos, comentou sentida. 

— Pobre Marcos, isso ainda vai enlouquecê-lo. — A mais velha entre as duas misturou novamente o café já frio em sua frente com uma colher de prata, enquanto fofocava sobre a vida do velho amigo. — Primeiro a esposa e agora a filha… Ele realmente não é um homem de sorte. 

— Mas o caso da garota é recente, ainda existem chances de encontrá-la. — acrescentou a senhora de cabelos curtos, ao tomar mais um gole de seu chá. 

— Acredita mesmo que a esposa dele morreu? 

— Mas é claro, acharam o corpo e tudo mais… — a senhora encarou sua amiga com os olhos cerrados — Você acha que não Dulce? 

A senhora encarou os arredores, impaciente — Faça-me o favor, Regina, aquela sem vergonha, com certeza fugiu com outro homem e abandonou a filha e o bom marido aqui sem dar explicações! — explicou sua teoria, com uma carranca no rosto flácido e envelhecido. 

Senhora Dulce conhecia a ex-esposa de Marcos, desde que a desaparecida se mudou para o bairro há muitos anos, logo após a oficialização do casamento de ambos. A senhora Dulce cuidava de Marcos como um filho, e não gostava muito daquela mulher, não via verdade nela. 

— Odeio estrangeiras, a maioria delas apenas se casa com os homens do nosso país por interesse. — Bebericou um pouco do café amargo, do jeito que gostava. 

— Sim, eu já vi isso em uma matéria na internet uma vez — sua amiga concordou. — Muitas fazem isso, pelo visto, conheci uma mulher que se divorciou porque o marido a traiu com uma estrangeira, que só queria lhe tirar dinheiro.

— É uma pena que Marcos esteja passando por isso, já tentei o avisar, mas ele se nega a acreditar que a esposa, na verdade, era uma sem caráter. 

A senhora Regina balançou a cabeça e piscou algumas vezes antes de terminar seu chá. 

— Bem, vamos rezar para encontrarem a filha dele. — concordaram com pequenos acenos de cabeça. — Aquela garota tinha um futuro brilhante, precisam encontrá-la para que ao menos termine a faculdade. 

As senhoras riram e voltaram a encarar o térreo da cafeteria, onde Marcos estava sentado em uma mesa isolada com o semblante abatido, sendo carinhosamente atendido por Beatriz, que o servia uma água enquanto o acariciava as costas. 

Caelum - O Tesouro de EstrahOnde histórias criam vida. Descubra agora