got to paris

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"Haja hoje para tanto ontem" Leio no celular a frase de Paulo Leminski dita no primeiro dia de aula da faculdade. " Tem certeza de que quer isso Manu?" Disse meu pai assim que contei minha escolha por Artes. Sem dúvida não é uma matéria fácil, tanto de conteúdo quanto para o futuro.

Foi uma escolha de última hora, por mim nem teria estudado. Ao longo dos anos de faculdade comecei a sentir certo afeto pela arte e pela vida, até que a proposta de Ísis surgiu; me chamou para morar em Paris e começar a descobrir a "cidade da arte". Não hesitei em pedir para meu pai. Sempre fomos de família muito culta e reservada, para terem uma idéia eu não havia assistido televisão até os meus 13 anos.

Ao entrar no avião percebi que não estava deixando muita coisa para trás no Brasil. Futebol,carnaval, samba, cerveja. Coisas que nunca me encantaram e sinto certo desprezo por elas. De amigos ficavam algumas primas e Ângela, vizinha. Começaria uma nova vida em Paris, não completamente nova mas, dessa vez, sozinha.

- A senhorita seria Manuela de Castro? - o porteiro pergunta assim que entro no saguão. Meu pai não economizou em nada ao escolher o prédio

- Só Manu - tento parecer simpática por mais que me encante a seriedade dos parisienses.

- Aqui preferimos tratar os contratantes com o máximo de respeito possível mas já que a senhorita insiste - ele emenda convidando para que eu me sente na cadeira à sua frente - O nosso prédio tem 15 andares, na verdade 14...

- 13 dá azar? - interrompo rindo alto e me assusto quando ele confirma. Volto ao meu olhar sério

- Continuando, os apartamentos são um por andar com tetos e pisos acústicos, ou seja, pode fazer o quanto barulho quiser nenhum de seus vizinhos irá escutar. Recolhemos o lixo ás terças feiras e peço que deixe o nome de qualquer visitante comigo para que eu autorize a entrada - Confirmo com a cabeça mostrando que entendo o seu francês perfeitamente.

- Qual é o andar? - pergunto meio enrolada e conserto - O meu apartamento é em qual andar? - sorrio tímida

- O Sr. Castro escolheu o número 14 e, muito sortuda, gostaria de dizer que a senhorita é vizinha de David Luiz - ele comenta esbanjando maior intimidade. Não faço a menor idéia de quem esse seja, talvez um socialite parisiense ou dono do prédio já que mora na cobertura.

Sorrio fingindo entender e ele se levanta para buscar minha chave. Espero observando o saguão. Bancos largos de couro, televisão enorme que só serve para anúncios, papéis de parede exageradamente lindos e milhares de revistas sobre todos os tipos de futilidade, a não ser por uma que me chama a atenção. A foto de uma obra de Van Gogh na capa e por incrível que pareça uma que eu nunca vi.

Me levanto indo em direção à ela e quando vou pegar Frederich, o nome gravado no crachá do porteiro, me intervem dizendo que é de um dos moradores. Me sinto mal e logo peço desculpas. Com a chave em mãos chamo o elevador e Frederich me ajuda a levar as malas para dentro. A porta está prestes a se fechar quando vejo dedos longos fazerem com que ela se abra de novo. Frederich me assusta ao dizer que teria de esperar enquanto arrasta para dentro mochilas e chuteiras que com certeza não eram minhas. Me encosto no canto do elevador ao entrarem dois homens completamente suados, sujos, sem camisa e mais uma vez incrivelmente suados. Eles estão rindo e quando percebem minha presença o elevador está subindo.

Nos encaramos por alguns segundos quando arrisco dizer que me chamo Manuela em um péssimo francês. Um deles, o mais alto, faz um comentário que não consigo entender em um francês pouco melhor que o meu.

- Nova por aqui ou só visitando? - ele pergunta desinteressado mas logo concluo que tenho de ser simpática. Acredito que sejam meus vizinhos.

- Completamente nova, achei tudo incrível até agora - fico nervosa quando o elevador para no 14. Meus dedos começam a tremer e eu sorrio involuntariamente.

- Vizinhos? - ele fala mais animado e sorrio. Ficamos os quatro no elevador nos encarando até ele percebe estar bloqueando passagem. Rindo ele vai para o meu hall e quando começo a puxar uma das minhas duas malas ele e os amigos oferecem ajuda.

Abro o apartamento adiantando o processo e quando entro não consigo pensar em nada. Minha cabeça parece ter esvaziado com tudo que estou vendo. Uma parede feita inteiramente de réplicas dos quadros de Cézzane, na mesa de centro uma tela em branco com uma paleta e um laço vermelho, cortinas vermelhas tampando a entrada da sacada e um piano branco ao lado. Não consigo contar quantas coisas tem nesse lugar, livros, discos de vinil, vasos.

- Uau - o moço alto de cabelos cacheados exclama terminando com minhas malas -Você parece ser bem inteligente - ele diz e um de seus amigos fala que qualquer um é mais inteligente que ele. Rio baixinho e agradeço a ajuda.

- Eu ainda não sei o nome de vocês - comento sorrindo e eles de repente me olham com cara debochada

- Estranhei você ainda não ter pedido autógrafo - o mais baixinho dos três comenta e me sinto incomodada, talvez ele seja o "socialite" que Frederich mencionou.

- Você é o David? - pergunto praticamente com certeza de que ele responderia que sim

- Só se eu tiver o dobro do meu tamanho e o triplo de cabelo de uma pessoa normal - ele diz e noto que a língua francesa não é o forte de nenhum de nós. Me viro para o de cabelos cacheados.

- Eu sou David, esses são Bernard e Oscar - aperto a mão de todos eles. Mãos firmes porem sujas. Lavar as mãos é a primeira coisa que vou fazer - Nos vemos por ai... - ele para tentando lembrar meu nome

- Manuela - digo meio nervosa, odeio quando alguém esquece meu nome

- Senhora Manuela ou senhorita? - um de seus amigos diz quando segura minha mão

- Senhorita - comento rindo e ele da um beijo em minha mão. Sorrio tímida com a atitude e logo a porta do elevador se fecha. Conforme vai ouço as risadas.



NOTAS DA AUTORA: hELLO muuito obrigada por lerem, gostaram? o que acharam da Manu? rolou clima? melhor parte?

Upstairs.- David LuizOnde histórias criam vida. Descubra agora