Capítulo 04: Não vacila, Victor!

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— E aí, grudento, tá com a parada?

Minha intimidade foi recebida com desprezo. Já esperava isso, mas continuei com o sujeito debaixo do meu sovaco. Claro, isso sacrificava um pouco o meu visual que, por acaso, estava fantástico. O azul-escuro tinha encaixado muito bem em mim e eu não tinha usado aquela camisa de botão branca tradicional que tinham me sugerido no Comitê de Recepção. Fui no que fazia mais sentido: camiseta, blazer e calça de alfaiataria. O cordão de prata sobrepondo o colar da minha avó e um relógio de metal.

— Lógico. Eu não vacilo.

Senti uma indireta.

— O que você quer dizer com isso?

— Que você é cheio das desculpinhas.

Ao menos, ele era honesto. Franzi meu cenho, tombei a cabeça para o lado.

— Oh, meu amor, não fica assim.

— Sai fora, Victor — disse, num repelão que tirou meu braço do dele. Fiz um sinal para ele ser menos espalhafatoso, então, ele seguiu sussurrando: — Você não pode dar mole, entendeu?

— Ei, relaxa — disse, já recolhendo o embrulho das mãos dele. Senti o papel envolto de uma embalagem redonda com tampa, provavelmente, uma de pomada que tinha sido reutilizada. — Eu só trabalho com calma. Tenho meus processos.

— Mas se brigarem comigo por caus...

— Ah! É essa sua preocupação?

— Claro — o garoto arregalou os olhos. — Os veteranos me deram a missão. Eu fiz. Mas se der merda, eles não vão te culpar. Vão me culpar. E aí...

— E aí... o quê? Vai me bater?

Ele cuspiu de lado, descartando a questão, sem querer me responder. Nunca que aquele merda pensaria na possibilidade de me bater. Primeiro, porque sabia que tomaria de volta, sem dó. E segundo, porque eu tinha algo que ele não tinha: credibilidade.

— Só faz o combinado, tá bom?

O garoto quase implorou, depois saiu pisando forte. Ele não tinha bem uma justificativa para agir assim. Não faríamos nada demais. Era só uma recepção de calouros. Uma recepção um pouco conturbada, sim, mas nada que duas urinadas na cama e uma semana acordado não fosse resolver. Ele deveria estar se divertindo como o resto do pessoal, mas estava muito preocupado em fazer bonito para agradar os veteranos. E, bom, eu era um veterano e não estava agradado. Não só pelo garoto de rabo preso, mas porque eu tinha outros assuntos a tratar antes de conseguir aproveitar a noite por completo.

Saí do salão, indo direto para os banheiros, logo depois do arco de entrada do colégio. Conferi ao meu redor para certificar que ninguém me via e entrei no banheiro masculino. Andei até a cabine quatro. Bati num ritmo combinado: três batidas fortes, duas leves. A porta se abriu.

— Cê me deu um cagaço, Victor.

Daniel tinha uns olhos arregalados, uma testa grande, cabelos penteados para trás com pente fino e um bigode ralo. Junto com os cravos no nariz grande, era o alvo perfeito do bullying. Por isso, ele tinha que ser cuidadoso para não ter problemas. Felizmente, era eu quem organizava o bullying, e eu passaria todas as dicas que pudesse para ajudá-lo.

— Já tava combinado de eu vir, medroso. Se liga — mostrei a mão com o embrulho, numa empolgação que nem fazia muito sentido. Acho que ser amigo de alguém mais novo, causava isso. 

— Massa. Então, vai rolar mesmo...

— Vai e cê tem que prestar atenção pra se safar.

— Tô prestando, fala.

IM7: A Aurora dos Mundos PerdidosOnde histórias criam vida. Descubra agora