{capítulo 1}

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Sob a tristeza da despedida, Ana Clara organiza seus pertences em caixas, cada uma contendo partes de uma vida prestes a ser embrulhada. Os objetos, testemunhas de memórias, são dispostos com uma serenidade que apenas a iminência da mudança pode proporcionar. O ambiente se enche de uma calmaria expectante, enquanto Ana Clara se encaminha para o próximo capítulo de sua jornada, levando consigo as histórias embaladas cuidadosamente em caixas marcadas com o passado que se despede.
em cada passo em direção ao carro, Ana Clara escuta as palavras reconfortantes de seus pais, que insistem que a nova cidade oferece um solo fértil para novos começos.
—Querida, é melhor assim.
Apontou sua mãe com tom de clareza
—É melhor só pra vocês, estão me tirando da escola no último ano pra estudar numa escolinha qualquer daquela cidade infeliz.
Respondeu com desdém.
Antes que sua mãe pudesse dizer algo ela entrou no carro batendo a porta com força, Helen sentiu vontade de repreender sua filha, mas entendia que ela estava fragilizada com a situação. Suspirou fundo e entrou no carro, apertou os cintos e esperou Rodrigo seu marido, Entrar no carro Já ele que estava organizando as caixas no caminhão de mudança. Entrou no carro e deu a partida, olhou para Ana Clara pelo retrovisor
A hesitação se reflete em seu olhar, expressando o descontentamento de trocar a agitação de Cuiabá por um local que, em sua mente, é habitado por 'caipiras'. Mesmo envolvida pela angústia, ela se acomoda no banco do carro, inserindo os fones de ouvido como uma tentativa de criar um reduto de normalidade em meio à longa viagem e previsivelmente chata.
Em meio à monotonia da viagem, Ana Clara permanecia envolta na incerteza sobre a pequena e supostamente tediosa cidade para a qual se dirigia. Distraída pela música que permeava seus fones, o cansaço começava a bater à porta, mas a curiosidade pela prometida paisagem de campos verdejantes mantinha seus olhos abertos. Contemplando gados, ovelhas e cavalos que pontilhavam o cenário, ela sucumbiu ao cansaço, entregando-se ao sono profundo. O despertar veio gentilmente com as batidinhas afetuosas de sua mãe, trazendo-a de volta à realidade.
—Ana, Ana acorda
—Chegamos?
—Não, faltam dois ou três quilômetros e...
—Nós paramos nesse posto para comer alguma coisa, já é noite. Disse seu pai cortando sua mãe com um tom rude de se dizer
—Como eu ia dizendo... Paramos para comer alguma coisa, você quer vir com a gente ou prefere que eu traga sua comida aqui?
—Vou com vocês, quero esticar as pernas.
E assim ela fez, Na fila do self-service em um pequeno restaurante de posto de gasolina, Ana Clara e sua mãe adotaram a abordagem comedida, servindo-se de porções modestas, enquanto a fome parecia ter sido deixada para trás na estrada. Seu pai, por outro lado, exibiu uma predisposição para o indulgente, preenchendo seu prato com generosas porções de carnes suculentas. Enquanto as escolhas no bufê refletiam os apetites variados, a refeição tornou-se um breve intervalo no caminho para a cidade desconhecida que aguardava além do asfalto. Ana e sua mãe trocaram olhares perplexos diante do prato generoso do pai, que contrastava com seus hábitos alimentares em casa
—Meu Deus você vai comer isso tudo?
—Querida eu tô pagando, vou comer até não aguentar.
—isso não é um rodízio.
Disse Ana, rindo.
Um conjunto de sorrisos iluminou os rostos dos três, raros desde a saída de casa. Conforme o tempo se desenrolava, todos concluíam suas refeições, com a notável satisfação de Rodrigo destacando-se, ultrapassando até mesmo a expressão dos demais clientes no estabelecimento. Era como se aquele momento no restaurasse um brilho perdido, reacendendo a alegria que a jornada trouxera consigo. No carro, agora que todos estavam saciados e a chuva havia cessado, retomaram a estrada. À medida que se aproximavam da cidade, a via se transformava em uma trilha mais escura, onde o chão se tornava de terra. O veículo tremia de maneira desconfortável, desafiando a fluidez da viagem. Postes de luz pontuavam a estrada, mas a distância entre eles dificultava a visibilidade, mergulhando a jornada em uma escuridão incerta. Ana, sentindo um desconforto profundo, observava as matas escuras e imponentes com apreensão. Uma inquietante sensação de que a qualquer momento alguma criatura surgiria a assombrava. Seus olhos percorreram o entorno, encontrando apenas uma paisagem dominada por vegetação densa. Mato, mato e mais mato, criando um cenário que intensificava o temor que a acompanhava naquela estrada sombria. Parada diante da porta de sua nova morada, Ana contemplava o isolamento ao seu redor, admitindo, mesmo relutante, que a casa era notavelmente bonita. Com dois andares e uma sacada, ela se questionava sobre como seus pais puderam adquirir tal propriedade em meio ao nada. Observando os detalhes, a residência exalava uma aura de antiguidade revitalizada, e ao adentrar, suas impressões se elevavam ainda mais. O interior revelava uma imaculada condição, com chão impecavelmente limpo e janelas reluzentes, ausentes de qualquer vestígio de poeira. Móveis, espelhos, estantes repletas de livros antigos, tapetes e cortinas adornavam os cômodos, mas Ana já previa que sua mãe, avessa a coisas 'velhas', logo dispensaria muitos desses elementos.
—Uau, isso é incrível —exclamou Helen, admirada.
—Da última vez que estivemos aqui, tudo estava coberto de poeira e com aquele cheiro de coisas antigas —comentou Rodrigo, recordando.
—Quem será que deu um trato na casa? — indagou Ana, curiosa.
—Bem, sinceramente, não faço ideia. Mas, assim que eu descobrir, vou fazer questão de agradecer pessoalmente a essa alma caridosa —respondeu Rodrigo com um sorriso intrigado.
Enquanto exploravam os cômodos, cada detalhe da casa revelava-se fascinante. A cozinha, apesar da ausência de geladeira ou fogão, exibia uma organização admirável. Surpreendentemente, encontraram três pratos, três colheres, três garfos e três facas, peças que despertaram a curiosidade do trio.
—Quem colocou isso aqui? —indagou Ana.
—Mais uma vez, não faço ideia. Talvez soubessem que éramos três —respondeu sua mãe.
—Querida, eu não me lembro de ter mencionado que éramos três —disse Rodrigo, perplexo.
—Enfim, depois eu entro em contato com a imobiliária e pergunto sobre essas peças, talvez seja um engano
—Está tarde, acho melhor a gente dormir
—Sim, ainda bem que trouxemos as camas e guarda-roupas ontem
—Falando nisso, o caminhão chega amanhã, né? indagou Rodrigo.
—Sim
Percebendo que seus pais estavam prestes a discutir sobre mudanças e possivelmente sobre a terra, Ana saiu da cozinha onde estavam apoiados em um balcão. Ao andar pela casa, subiu as escadas, sentindo o ar mais gelado. O corredor em direção aos quartos parecia mais escuro do que o restante da casa. Ela acendeu a lanterna do celular e começou a investigar.
Entrou no primeiro quarto, que era espaçoso, sua cama e guarda roupa já estavam lá mas notou que faltavam lençóis e travesseiros. Havia marcas de fita nas paredes, indicando que o antigo morador provavelmente tinha posters ali. Andando mais um pouco, antes de tocar a maçaneta, ouviu um grito assustador vindo da parte inferior da casa.
"AAAAAAAHHHH!"
Ana quase tropeçou nas escadas e viu sua mãe gritando em cima do balcão.
—Um rato, um rato, mata por favor, Rodrigo.
—Eu tô tentando, querida, se acalma —respondeu seu pai, brandindo uma vassoura pelos cantos.
Ana respirou aliviada e saiu da casa. Pegou algumas caixas, travesseiros e lençóis, colocou sua mochila ao lado da cama, trocou sua roupa, já estava com ela há muito tempo. forrou o colchão e tentou dormir, é claro, com os fones de ouvido.
Ana despertou de um pesadelo cujos detalhes escaparam de sua memória, apenas para acordar pela manhã com a mão pressionando sua testa, acompanhada por uma dor de cabeça pulsante. Depois de realizar sua rotina de higiene matinal, desceu para a cozinha, onde seus pais já se encontravam, cada um se ali. Sua mãe todos os dias tomava um suco verde com uma consistência grossa, sabia que sua mãe não tomava café devido a problemas no estômago. Diferente de seu pai que se deliciava com uma xícara generosa de café puro, levemente adoçado.
—Bom dia — cumprimentou
—Bom dia — responderam os dois.
—Então... As coisas ainda não chegaram?— Perguntou Ana se sentando à mesa
—Devem chegar por volta das 12:00, então, você vai ficar aqui esperando. Nada de sair por aí  — alertou Helen.
—Como se eu tivesse alguma vontade de sair daqui. Estamos no meio do mato, se eu der um passo lá fora, é capaz de uma cobra me dar as boas-vindas —brincou Ana, recebendo um olhar divertido da mãe.
—Você se acostuma —Helen retrucou colocando uma xícara delicada de tons rosa e branco, na mesa como quem diz para a filha, Nessa conversa, seu pai mergulhava em um artigo no celular, absorvido pela leitura.
—Acho que devemos conversar sobre a escola, não é? —disse Helen olhando diretamente para Ana. Que logo preferiu ficar parada, fingindo que estava dormindo. Mas, Com a calma de quem conhece os truques do silêncio, a mãe de Ana retirou um cubo de gelo do copo que estava na mesa com a intenção de colocá-lo na orelha de Ana, assim que o gelo tocou suas orelhas rosadas, sua pose de fingimento acabou quando ana se levantou rapidamente rindo da situação
—Ai, que nojo! —escapou de seus lábios, enquanto ela ria secava a orelha com a toalha de mesa
Um sorriso satisfeito dançou nos lábios da mãe.
—Olha só, acordou —declarou ela, como quem celebra uma pequena vitória.
Então tirando o sorriso do rosto, Helen disse
—Agora é sério. Eu até te daria o luxo de escolher em qual escola você quer ir, mas aqui só tem uma escola para o ensino médio.
A percepção de Ana vacilou por um momento, como um raio de luz.
—O que? Só tem uma es...
—Sim, só uma escola, e ela se chama EEJAB.
A curiosidade se fez presente em sua voz ao questionar o significado do enigma de letras.
—O que isso significa?
Helen demorou a responder
—Escola Estadual José Amaral de Barros...
Eu sei, é um nome comprido. Segunda-feira, vou te matricular lá.
—Tá né, não tenho outra escolha.
—Sabe que não tem. respondeu a mãe, com um sorriso perspicaz adornando seus lábios, O tempo avançava e Ana, imersa em sua música, encontrava refúgio na melodia que preenchia o ambiente. O isolamento da casa, no entanto, era interrompido apenas pelo som de seus fones, já que a ausência de internet impossibilitava o contato com seus amigos. Com um dos fones fora da orelha, Ana finge que estava tocando bateria com suas baquetas nas mãos,
a harmonia musical foi interrompida pelo toque insistente da campainha. A expectativa a fez abandonar o sofá com um pulo, correndo em direção à porta na esperança de que o caminhão com suas tão aguardadas coisas, sua bateria era o que mais estava esperando, mas mudou sua expressão facial quando viu uma senhora de costas que admirava a vista. Ana não gostava de socializar com pessoas mais velhas, já que eles sempre a olhavam torto por ter uma mecha azul no cabelo e por ter piercings no rosto, um na sobrancelha, nos lábios e no nariz, fora os da orelha direita que tinha cinco furos e a esquerda somente três.
—Pois não?
A senhora era uma figura interessante, era alta e magra, cabelos pretos com vários fios brancos,um sorriso largo e amarelado, à primeira vista parecia uma senhora gentil, mas O detalhe que mais intrigou foi seu olho esquerdo, era de um branco azulado, era uma mulher cega de um olho?
—Olá, mocinha. Seus pais estão? —a senhora perguntou com a voz trêmula.
—Oi... Não, eles foram para o campo. Posso ajudar?
—Claro que sim! Bom Como boas vindas à nossa cidade, eu trouxe essa torta para vocês.
A senhora ergueu uma cesta que estava no chão, coberta por um tecido vermelho e branco xadrez. O aroma de limão invadiu o ambiente, despertando o apetite de Ana.
—Hmm, muito obrigada. Deve estar uma delícia, como a senhora sabia que nós tínhamos acabado de chegar?
A senhora permaneceu parada, com um sorriso imóvel no rosto, o que deixou Ana .
—Ah, sim, me chamo Hostis
—Sou Ana, prazer
Elas deram as mãos, fazendo com que Ana percebesse a mão áspera e fria da senhora Hostis, também notou que suas unhas eram longas e lixadas para serem afiadas. O que era estranho de se ver em uma senhora.
—Bom, já vou indo. Bom apetite.
—Obrigada, respondeu Ana, fechando a porta e aproximando o rosto da torta que ainda estava quente e com um cheiro delicioso, quando descobriu a torta, o aroma se intensificou, e ela não resistiu. Uma fatia generosa foi retirada e, utilizando os talheres que havia aparecido misteriosamente ma casa, Ana experimentou a torta. Doce, mas com um toque cítrico indescritível, a torta revelava uma surpresa saborosa, preenchendo o paladar com a mistura de sabores. Ao longo do dia, Ana começou a sentir mal-estar, acompanhado por dor de estômago e febre. Suspeitando da torta oferecida por Dona Hostis, ela decidiu jogar fora o restante para evitar que seus pais também fossem afetados. Passou o restante do dia e a noite na cama, ouvindo música e enfrentando os sintomas desconfortáveis.

FIM DO CAPÍTULO 1

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