PARTE I

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Já passava das cinco da manhã quando Jonas desistiu de tentar pegar no sono, deitado no sofá de sua sala na Hélane, e sentou-se, passando a mão pelo rosto e sentindo pesar em seus ossos cada um de seus mais de quarenta anos.

Na noite da véspera, ocorrera mais uma reviravolta em sua vida, uma das muitas que haviam ocorrido desde que Helena aceitara o convite de Lara para almoçar na casa dela e reencontrar as amigas de juventude.

Com a notícia de que Marlene havia sofrido um infarto e estava na UTI, Giovanni e Ísis abreviaram seu mochilão na Europa e voltaram ao Rio de Janeiro para que a jovem pudesse dar conforto à mãe e ver com os próprios olhos que a tia estava bem. Entretanto, ao saírem do aeroporto, Ísis atravessara a rua sem ver e quase fora atropelada.

Quase.

Isso porque, ao ver o carro de aplicativo arrancando violentamente na direção da namorada, Giovanni gritara o nome de Ísis e atirara-se sobre ela, tirando-o do caminho do veículo e sendo atingido em cheio. Levado ao hospital mais próximo, Giovanni precisara de uma transfusão de sangue durante sua cirurgia.

Naturalmente, os pais dedicados e desesperados ofereceram-se prontamente para doar tanto sangue quanto o filho precisasse (e Jonas irritara-se quando Adriana tentara convencê-los a não o fazer). Entretanto, para o choque e completa perplexidade de Jonas e de Helena, ao ser informado dos tipos sanguíneos do ex-casal (Helena era A+; Jonas O-), o médico imediatamente descartou as ofertas de ambos.

Isso porque o sangue de Giovanni era B-.

– Mas isso é impossível – balbuciara Ísis, atordoada – Considerando os tipos sanguíneos dos pais, esse é justamente o único tipo sanguíneo que o Giovanni biologicamente não deveria ter.

Descobrir que o menino a quem amara de todo o coração não era seu filho biológico, e tudo porque Sérgio mexera seus pauzinhos para dar a Helena um filho saudável depois que o bebê deles nascera com baixa chance de sobreviver, tinha doído, mas era superável. Afinal, para ele, não importava se era ou não pai biológico de Giovanni. Tinha criado o rapaz como seu filho, amava-o como tal e isso era o ponto principal.

O que tinha motivado sua ida para sua sala na Hélane – único lugar onde sentia que poderia ter um pouco de paz – foi o que descobriu depois de sair do hospital, com a notícia de que Giovanni estava fora de perigo.

Somente muito depois, quando Giovanni foi agraciado com duas bolsas de sangue, cortesia de uma remessa inesperada do Hemorio, Jonas pôde repassar mentalmente os momentos pós-descoberta da verdadeira origem do filho, franzindo a testa ao perceber que Adriana não demonstrara nenhuma indignação com a revelação, ao contrário do que todos esperavam dela.

– Vamos descansar, meu amor? – Disse a veterinária, carinhosa, vindo do banheiro e sentando-se ao lado do companheiro na cama de casal, apoiando o rosto no ombro dele – Foi um longo dia, você deve estar exausto.

– Dri? – Murmurou Jonas, levantando-se para ficar diante da namorada – Por que você não se surpreendeu quando o Sérgio contou que o Giovanni não é meu filho e da Helena?

Com Adriana banhada pela luz amarela do abajur ligado sobre a mesinha de cabeceira, foi impossível Jonas não detectar a forma como os olhos dela se arregalaram de surpresa, o traço de alarme em seu rosto antes de ela lhe abrir um sorriso trêmulo e erguer os ombros.

– Como assim, Jonas? Claro... claro que me surpreendi – gaguejou ela.

– Não, não se surpreendeu não – desmentiu o administrador, com um aperto no coração e um gosto amargo na boca ao perceber que ela lhe mentia – Você não ficou indignada nem o criticou. Nem mesmo quando ele falou aqueles absurdos sobre como ele tinha salvado o Giovanni de crescer na pobreza e blá-blá-blá. Você ficou irritada, mas não indignada. Por quê? – Percebeu que ela desviou rapidamente os olhos e sentiu uma leve náusea – Adriana. Não mente pra mim.

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