PARTE IV

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Ísis olhou, completamente estupefata, para Giovanni, que a encarava muito sério, com o queixo empinado e uma expressão decidida. Não conseguia entender como a situação havia saído de seu controle tão completamente, e de modo tão rápido. Olhou rapidamente na direção da porta, não conseguindo disfarçar a irritação. Tinha certeza de que tinha dedo de Cris na revolta de Giovanni e na decisão dele de terminar com ela. A influenciadora sempre deixara muito claro seu interesse no filho de Jonas e Helena e, com certeza, se aproveitaria de qualquer oportunidade para semear a discórdia entre eles.

A ativista estava tão certa da contribuição de Cris para a decisão de Giovanni de romper com ela que foi fácil ignorar a vozinha em sua mente que lhe disse que ela era a principal responsável pela iniciativa do namorado de terminar, e não a rival. Afinal, tinha sido Ísis quem optara por enfurnar-se na clínica como acompanhante de Marlene, deixando tudo de lado: trabalho, abrigo, namorado. Tinha sido igualmente fácil ignorar as pontadas de culpa que sentia por estar negligenciando Giovanni quando ele tinha se machucado para protegê-la, justificando suas decisões com o fato de que Marlene era praticamente sua mãe, pois ajudara Adriana a criá-la.

Deu um risinho nervoso, ignorando o aperto no coração diante da expressão firme do herdeiro da HELANE, e se aproximou novamente, tentando pegar a mão de Giovanni.

– Oh meu amor – disse ela, com a voz doce, cobrindo a mão de Giovanni com uma das suas enquanto se sentava na cama ao lado dele e apoiava a outra mão no rosto dele, fazendo carinho – Me desculpa. Eu não tô pensando direito. Tô tão nervosa com a minha tia. Me desculpa. Não vamos romper, me dá outra chance, vai?

Giovanni olhou para Ísis como se a visse pela primeira vez. Não conseguia reconhecer, na mulher que falara de modo tão desrespeitoso sobre seu pai, que superestimara os laços entre eles para usar de justificativa pelo tratamento dispensado por ela ao homem que o criara, a mesma jovem por quem se apaixonara perdidamente. Sentia-se como se uma venda tivesse caído da frente de seus olhos, e ele finalmente conseguia ver com clareza.

– Não – respondeu ele, firme, com o coração apertado, mas com a alma leve – Eu podia entender isso nos primeiros dias. Sei que a situação da sua tia é delicadíssima. Mas já se passou quase um mês, Ísis. E você não demonstrou qualquer interesse de me ver, de passar algum tempo comigo. Eu não fazia questão que você deixasse a sua tia de lado para se enfurnar comigo no hospital, não sou egocêntrico a esse ponto, mas você podia, sim, tirar umas horinhas pra me ver.

– Giovanni – gaguejou ela, aflita – eu tô aqui agora, não tô?

– E a primeira coisa que você fez foi invadir a minha casa, maltratar a mulher que eu tenho como mãe – a gente ouviu os gritos daqui de dentro – e ser grossa com uma amiga que o meu pai fez a gentileza de trazer para me visitar – retrucou ele – Isso pra não mencionar o seu jeito venenoso ao se dirigir ao meu pai. Eu não sou assim com os seus amigos, com a sua família. O que lhe dá o direito de ser assim com os meus?

Os olhos de Ísis faiscaram de irritação.

– A Cris não é sua amiga – declarou ela – Não de verdade. Ela sempre teve o olho comprido pro seu lado! Com certeza é ela que despejou esse veneno nos seus ouvidos!

– Não interessa se a Cris quer ser mais do que minha amiga. Interessa que eu a vejo apenas como uma amiga. Se eu quisesse algo com a Cris, aí sim você podia se preocupar. E, se eu quiser algo com ela a partir de agora, também não é mais da sua conta – ele retrucou, cortante. Suspirou cansado e passou a mão pelo rosto – Ísis, chega. Acabou. Eu não quero mais. Por favor, vai embora.

Os olhos de Ísis se encheram de lágrimas. Não conseguia reconhecer o seu namorado naquele homem que estava na sua frente. Havia um brilho duro e determinado nos olhos dele, que ela nunca tinha visto antes.

– Gio, eu vou. Mas a gente vai conversar depois, com calma, quando nós dois não estivermos tão sensíveis. Tá bem? – Retirou-se às pressas, com o corpo todo tremendo. Ao passar pela porta fechada de um aposento, ouviu os murmúrios abafados de duas vozes, e a muito custo controlou o impulso de invadir o local para tirar satisfações com Cris. Mesmo diante de todos os argumentos do agora ex-namorado, seguia convicta de que a influenciadora o envenenara contra ela.

Mas não ia ficar assim. Tinha certeza de que, depois, com calma, ia conseguir convencer Giovanni a não seguir com a ideia estapafúrdia de romper com ela (eles eram perfeitos um para o outro!) e, depois, persuadi-lo a se afastar, por completo, de Cris. Aquela garota não prestava e, quanto mais longe dela e de Giovanni, melhor para eles.

Maninha trancou a porta por trás da filha de Adriana quando ela saiu e fez o sinal da cruz. Não gostava nem um pouco da namorada de Giovanni, achava a menina arrogante e intrometida, além de certinha demais. Para Maninha, pessoas sem defeitos não existiam e, quando alguém tentava parecer irretocável, era porque tinha falhas de caráter das mais podres para esconder.

Virando as costas de volta para sua cozinha, a faz-tudo da família passou pelo escritório e bateu delicadamente na porta. Era quase hora do lanche, e tinha certeza de que seu Jonas não tinha comido nada. Esperou um pouco e, diante da falta de respostas (e considerando a tagarelice animada dentro do local), abriu a porta discretamente. Quase arregalou os olhos, mordendo os lábios para disfarçar um sorriso diante da cena com a qual se deparou pela porta aberta.

A srta. Cris estava sentada na beira da escrivaninha do senhor Jonas, os dois conversando animadamente sobre alguma coisa. A mocinha gesticulava freneticamente, e o sr. Jonas ouvia atentamente, com a testa ligeiramente franzida, mas com uma leve curva nos lábios, como se tentasse disfarçar um sorrisinho. Havia um brilho nos olhos dele que Maninha só tinha visto dirigido a uma pessoa em todos os anos que trabalhava para a família Aranha – à pessoa que Jonas mais amava em toda a família.

O filho, Giovanni.

Foi um choque, e uma satisfação, para Maninha ver, nos olhos de seu patrão, a mesma expressão de afeto e admiração com a qual ele olhava para o filho. Mas, ao contrário da expressão que o sr. Jonas dirigia para o menino Giovanni, havia nos olhos dele ao fitar a srta. Cris uma curiosidade que Maninha nunca tinha visto hoje.

Sua vivência e sua intuição lhe diziam que a jovem influenciadora passaria a ser presença frequente, senão naquela casa, na vida do sr. Jonas, mas não da maneira que todos imaginavam que seria. Não ao lado do jovem Giovanni.

Mas ao lado do próprio sr. Jonas.

E, depois de tantos anos de infelicidade ao lado da sra. Helena, de tantos meses atribulados ao lado da sra. Adriana, Maninha era da firme opinião que seu patrão merecia um pouco de paz, de felicidade e de amor.

E, se todos esses sentimentos viessem da jovenzinhasentada diante dele, os dois conversando animadamente como se não existisse amanhã, Maninha seria a primeira a apoiá-los, mesmo que discretamente e em segredo, por agora.

c o n t i n u a

Going Through ChangesOnde histórias criam vida. Descubra agora