O homem estava devastado. Tinha visto o fogo da noite e perdeu as estribeiras. Vários mistos de histórias não concluídas, mal percebera que as histórias no jamais se concluem e ficou como um poço enrodilhado, emaranhado dessas histórias que sua mente achavam não concluídas...
Era um homem simples, mas nunca tinha conhecido a mulher. Quem diria, seus passos eram atropelados de si mesmo... Roubava horas de relógios parados, porque começou a colecionar relógios após um vendedor de relógios não querer mais os que estragavam.
- Dá para mim? - perguntava com o rosto amassado.
- Claro, nem posso vender relógios estragados, e o conserto é mais caro que o preço de venda - dizia o vendedor quase querendo lamentarEle ia contente com a beleza dos relógios parados, colecionando, objetos de rara arte. Era essa sua riqueza, julgava, pois era um labrego simples e com pouca instrução dos livros e dos eruditos, só apreciava a beleza do tempo parado de sua casa. Era ele mesmo um símbolo do Eterno. Mas mesmo assim, parecia uma casa vazia, apesar de abarrotada de relógios finos, alguns até de ouro ou diamante. E também nunca se perguntava como quebravam tanto os relógios do vendedor de relógios e sua frugalidade em dispensar com ele que era um simples camponês. Um dia teria coragem de perguntar a ele... Assim pensou. E como ele conseguia aqueles relógios extremamente belos também era um mistério para o camponês que não entendia muito da cidade, e a vergonha de contrariar as pessoas o impedia de falar, sequer questionar qualquer coisa. Seu silêncio era sua dádiva de beleza sem tempo.
O próximo dia do camponês na cidade foi avassalador, chegou numa comitiva, caravana, uma trupe de circo para encantar a pacata cidade, mas quem se encantou foi o pobre camponês pela malabarista. Seu coração de ouro infinito contrastava com suas palavras arranhadas como um canto de areia do deserto. O riscar da areia nos pés davam o tom de suas palavras. Como ia encantar aquele ser? Na sua visão só podia ser um anjo, porque ouvira num canto da cidade um homem gritando sobre a beleza dos anjos. Mas ele também não entendia por que ele gritava tanto, quando era camponês tinha conversas com as mudas mudas. Novamente o silêncio. Mesmo assim, definitivamente ela era um anjo para ele. Só podia, algo revirou do avesso, como quando via algumas pequenas flores no campo perto de sua antiga plantação.
Agora os relógios em sua casa da cidade pareciam começar a fazer um tic-tac misterioso, sabe-se lá de onde ou por que. Todas as horas do mundo que pararam seu tempo agora vinham cobrar seus pensamentos. Eram todos pensamentos malabaristas. E isso que sequer o camponês viu o espetáculo do circo, ainda não tinha o dinheiro para comprar o ingresso. Mas ele mesmo, como um integrante do circo, ensaiava as horas que não tinha em casa como falar com a mesma destreza dos malabares daquele anjo. Estava atordoado. Foi pedir ajuda ao vendedor de relógios na cidade, seu amigo mais próximo, embora essa amizade era mais permeada de silêncio que palavras, mas tinham em conta um ao outro. Talvez uma conta nunca paga...
- Você viu o circo?
- Vi... - disse o vendedor sem muito interesse
- Você já viu mesmo? Paga um ingresso e vendo um relógio seu
- Eu não vi o espetáculo, vi que estão na cidade montando as tendas...
- Mas temos um combinado?
- Que combinado?
- Eu vendo um relógio seu e me dá um ingresso
- Que seja... - disse completamente indiferenteAgora tinha arrumado uma embrulhada o simples labrego de alma perturbada agora pelos calores internos. Para quem ia vender um relógio? Tinha os seus parados, mas achava que não valiam nada, quis ajudar o vendedor de relógios e escolheu um de beleza mediana em sua visão e que por um milagre funcionava. Agora era a tarefa de achar um comprador. Saiu pela cidade anunciando com a voz que tinha arranhada o relógio que funcionava. Uma senhora o parou e perguntou quanto custava.
- Meu filho, você traz isso lá de Salecopólis, não? Como consegue essas coisas nesta cidade? Vem de cidade importante, quero levar. Uma vez fiz viagem para lá e vi desse tipo, mas aqui não tem isso, muito estranho...
- Estou vendendo para o vendedor de relógios, não sou dono não... Não sei...
- E quanto?Nessa hora o simples camponês se lembrou de que esqueceu de perguntar o valor do relógio para cobrar, e foi pela saída que apareceu:
- É quanto a senhora tiver na bolsa
- Mas eu tenho muito, sou rica sabia?
- Então uma parte pequena dissoA senhora viu uma oportunidade e estendeu 10 para ver como o vendedor reagiria.
- Negócio feito
A velhinha saiu com um relógio feito em uma cidade importante, e o camponês fez sua venda e ia poder ir ao circo ver a malabarista. Voltou para o vendedor contente e radiante.
- Pelo visto vendeu... - disse o vendedor de relógios
- Vendi! Aqui estão os 10 que ela deu
- Amanhã compro seu ingressoO camponês voltou mais radiante que a cadente de reis. Estava mais que nas nuvens, além das últimas estrelas. Aí que sua casa parecia longe e parada no tempo. Ficou ali trancado pensando em tudo que ia dizer para ela, que não tendo um relógio perdeu os dias trancado em casa. Três dias passaram. Ao perceber isso foi ao vendedor de relógios e este disse:
- Você conseguiu só 10, o ingresso é 20, não consegui comprar, e tem mais, eles estão desmontando, foi uma passada rápida na cidade, já estão desmontando...
A destruição no coração do simples camponês foi mais que nebulosa longínqua. Quis ir a algum lugar na cidade que pudesse tomar alguma coisa. Queria uma quente, como os chás que fazia na sua cidade do campo, talvez animasse o espírito. Ao entrar na casa de chá viu a malabarista que estava com alguns dos colegas de circo, comemorando o sucesso dos espetáculos e se despedindo da cidade.
O camponês começou a tremer, como ia lá falar com aquelas demais pessoas ao redor dela? Começou a suar frio antes do chá quente... Pediu um chá, o mais forte e estimulante. Veio um quase negro com o aroma que nunca sentira e aquilo lhe subiu mais à cabeça que ao coração, e um destemor lhe veio, sabe-se lá de onde, nunca sentira como camponês aquelas veleidades da alma. Foi falar com sua voz de deserto arranhado e por esses mistérios da Vida, a malabarista se encantou com camponês.
O que se deu depois é um mistério. O camponês sonhou naquela noite com um homem lançando pérolas aos porcos como alimento, e o chiqueiro foi desativado e anos abandonado. Somente uns 101 anos depois quiserem construir uma casa no lugar, e ao escavar acharam as pérolas...
Ao acordar o camponês não tinha mais nenhum relógio de sua coleção. Foi para a cidade e o circo tinha partido...
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O Homem que lançava pérolas aos porcos
SpiritualeHistória Sufi sobre um Homem bondoso que viu seu mundo cair por Amor