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Sentir medo
é tão humano
quanto sentir
amor. - TCD
_____________Depois de tudo que aconteceu, referente ao assalto que contei no último capítulo, não tivemos tanta preocupação. Minha dinda estava em casa no dia seguinte, o ferimento não lhe causou nenhum problema em seus órgãos internos. Edgar, meu dindo, por sua vez, ficou boas semanas internado. Por sorte, sobreviveu, o que me motivou a acreditar ainda mais em Deus. A munição que havia atingido sua cabeça ficou a um milímetro do cérebro, sua maior preocupação era o braço, cujo qual usou tala por três meses. Estávamos todos bem.
Apesar disso, passar pela garagem ainda deixava uma angústia no coração de todos. Foi o momento em que Shelle decidiu que se mudaria para Butiá. Estávamos brigadas e ela estava grávida outra vez, de Bento, ao mesmo tempo que Shanelle estava de Pedro Henrique.
– Eu estou velha, e não consigo mais cuidar de ti. Te criei como minha filha por onze anos, mas acho que tá na hora de te deixar ir para sua mãe. – Foi o que Ivone me falou, no dia que minhas malas estavam prontas. Isso foi por volta de fevereiro de 2016.
Eu fui, com meu coração na mão, sentindo falta de Maria Isabel dia e noite. A adaptação foi rápida, Alyson e eu brincávamos na rua com outras crianças até tarde, com bola de futebol ou esconde-esconde.
Mas, em seguida, eu tive outra visão do mundo. Não me lembro da data exata, mas lembro de Beto, marido de minha mãe, ter pulado a janela de meu quarto e entrado na casa. Ele arrombou a porta do quarto dela. Eu acordei com os gritos, eles estavam brigando.
Era rotina semanal se separarem e voltarem, mas algo estava diferente naquela vez. Escutei a gaveta da cozinha ser aberta, me levantei e não tive coragem de sair do quarto. Espiei e Beto havia pego uma faca de cortar carne. Na porta da frente, minha mãe puxou o cabo de madeira para baixo, cortando o homem do pulso até o cotovelo. Menos de meia hora, havia uma viatura em frente ao portão.
Ela colocou ele no Maria da Penha, retirou a queixa três dias depois. Se encontraram no Harmonia, numa noite de Bailão. Ela sentiu saudade.
– Porque ele está aqui denovo? Ele quase tentou te matar. – Eu perguntei, no dia seguinte enquanto ele estava no banho.
– As vezes pessoas erram e se arrependem. Ele não é ruim. – Ela respondeu, com um sorriso pequeno.
De alguma forma, tentei entender aquilo por semanas. Eles brigavam muito, até ele quebrar o telefone dela por alguém estar ligando. Ele pensava que ela o traia.
Me lembro do dia que minha mãe estava sentada em um sofá da sala, não conseguia manter seus olhos abertos. Estava dopada de antidepressivos. Pediu uma cerveja e suas amigas estavam juntas. Ela foi encaminhada para a clinica São Pedro, onde ficou internada vinte e cinco dias. Daqui para frente começa a segunda parte dos meus onze anos.
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"Vá em frente e
chore, garotinha.
Ninguém faz isso
como você. Eu sei
que isso é impor-
tante para você."
________________Consequentemente, havia conhecido amigos mais velhos. Eles viviam na praça do centro. Depois da tentativa de suicídio de minha mãe, Anderson levava Alyson consigo para o serviço. Eu ficava sozinha em casa, sabendo cozinhar apenas brigadeiro. Foi o que comi naqueles dias. De quinta a domingo vivia na rua, com pessoas mais velhas. Por algum motivo, beijar e rir com estranhos me trazia uma paz momentânea. Minha mãe adorava fazer estrogonofe, e usava uma dose de Natu Nobilis. Eu tomava um copo antes de dormir todos os dias.
Quando minha mãe voltou, meu peso já havia mudado bastante. As poucas vezes que fui jantar na casa de minha prima ou minhas tias, bastava uma atitude pequena que desgostasse elas como "não estou com fome" para ouvir que a culpa da tentativa de suicídio de Elieth era minha.
Foi mais ou menos depois disso que "virei moça", e minha mãe explicou que eu já poderia engravidar, me ensinando sobre camisinha e anticoncepcionais.
Eu também estava vidrada em um jogo, chamado Amor Doce. Era caidinha no Castiel, um paquera ruivo de humor ácido.
Minha vida se dividia em duas partes, durante o dia brigava com minha mãe e brincava de boneca com Isadora, minha sobrinha. De noite, saia para beber e beijar pessoas estranhas.
Hoje vejo o quão nova eu era para aquilo. Tudo mudou quando conheci uma menina, chamada Letícia. Tínhamos a mesma idade, pensamentos parecidos e éramos grandes amigas.
Pessoalmente não passávamos de amigas, mas por telefone parecia que tínhamos um relacionamento. Começamos a namorar no dia 07 de março de 2016. Entre indas e vindas duramos dois anos. Minha mãe nunca soube. Letícia e eu não brigávamos. Foi o melhor e mais tranquilo relacionamento que tive até então. Mas ela se mudou para São Paulo, seis meses depois. Continuamos tentando, mas ela tinha outra pessoa lá e eu, outras pessoas aqui.
Já era difícil namorar uma menina em segredo, há distância era tão pior. Admito meus erros, assim como ela admitiu os dela. Apesar de tudo, ainda tenho muito carinho por ela. Aprendi a amar ali, mas, em partes, a odiar também.
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• Autobiografia | Laisa Cruz •
No FicciónRecebi o conselho de uma grande amiga para escrever sobre minhas feridas e também minhas alegrias, numa tentativa de conhecer melhor meus próprios limites e minha cabeça. Aqui, sem devaneios, contarei minhas histórias e segredos. Caro leitor, já lh...