Arrastei a faca de um lado ao outro repetidamente enquanto caminhava em círculos deixando o rastro avermelhado cor de carmim se estendendo além da sala.
Você gritava para que eu voltasse,
Pedia perdão pelo exagero dos cortes enquanto me convidava a voltar para que você me costurasse novamente como fazia toda vez que queria fazer outra modificação.
Em meio a rios de lágrimas, sentei no chão entre a mesinha de centro e o sofá onde você me jogava após suas mãos de lâmina cortarem profundamente o meu corpo até que restasse apenas o último suspiro antes do golpe final.
Dessa vez, com os dedos roxos e tortos, abri a gaveta favorita do seu armário e tirei a linha avermelhada e a agulha afiada.
Sabia do quanto você brigaria se me visse costurando os ferimentos do que você me causou propositalmente...
Enquanto a agulha adentrava a pele calejada e dava voltas na mesma fazendo o mais lindo dos bordados de sangue,
Eu me lembrava de minha mãe, costurada em linhas vermelhas da cabeça aos pés, costuras que fechavam os olhos e a boca e na maioria das vezes também os ouvidos.
Linhas que se prendiam às mãos e aos pés, tornando-a uma marionete de porcelana em uma linda casinha de bonecas.
Larguei tuas linhas, rasguei todos os cortes retirando todas as agulhas.
Não!
Eu não serei a minha mãe.
Não serei tua mãe.
Enquanto você dormia profundamente, esperando por uma nova boneca consertada pronta para ser quebrada no dia seguinte,
Levantei-me.
Em passos tortos e atordoados enquanto cantarolava a cantiga suave de minhas irmãs
Tirei tuas lâminas dos dedos, uma por vez
Enquanto tu abrias os olhos revelando a mistura de confusão, medo e desespero.
Eu conhecia bem esse olhar, geralmente eu te olhava assim.
Dessa vez, estávamos brincando de forma diferente
As lâminas estavam comigo,
Mas não te retalhei lentamente para mostrar poder.
Não sou como você.
1,
2,
3,
4,
5,
6,
7.
Sete vezes dentro de seu coração,
Sete suspiros aliviados,
Sete gritos de desespero,
Sete gargalhadas de libertação.
Ao fim de tudo, larguei tuas mãos laminadas no chão, entre a mesinha de centro e o sofá.
As cicatrizes ainda estavam em meu corpo,
Mas já não haviam lâminas e linhas.
Apenas o corpo recém liberto em processo de cicatrização.
Pela janela, vi minhas irmãs levantando-se uma de cada vez.
Mulheres de linhas,
Mulheres com agulhas em seus olhos,
Mulheres cobertas de lâminas,
Eram minhas irmãs.
Enquanto seus corpos se erguiam,
A casa de porcelana, ia ao chão.
Segurando umas nas mãos das outras, caminhamos em direção a outra casa de porcelana, esperando o despertar das bonecas aprisionadas pelas mãos laminadas.
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OS CORPOS DE HELENA
ChickLitQuantas mortes um corpo é capaz de suportar? Uma, duas, três, mil. Helena viveu muitas vidas e morreu em todas elas, paralisada pelo medo em um mundo frio e cruel, não havia outra opção se não queimar. -essa não é uma história de amor.