Ω [Pró] Havia uma história...

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Há muito tempo atrás, uma jovem astuciosa, nascida das águas turbulentas do Atlântico e da mais pura energia vital dos seres vivos, sonhava em perambular pelas florestas de Arcádia com liberdade. Seus pais, movidos pela lei primordial de suas missões, nunca aprovaram a alma alegre da filha mais velha que tão logo era responsável em pregar para seus demais irmãos novos, a boa obediência e centralidade em suas tarefas.

Isso, de certa forma, a entristecia. Movida pela virtude da inocência, não conseguia compreender o motivo pelo qual a vida deveria ser programada antes da existência de todos, tão pouco a língua antiga e ruidosa de seus pais que lhe pregavam a palavra de que sua origem se fez necessária justamente para prover frutos longínquos para a história da humanidade. E, sempre que lhes perguntava o que queriam dizer, a conversa acabava, deixando-a reflexiva sobre qual seria o propósito da boa aventurança de sua proteção como essência.

Mesmo rodeada por julgamentos silenciosos e olhares ácidos, a jovem jamais se sentia ameaçada pela má compreensão de todos que conheciam e que faziam questão de clamar enlouquecidos pelo seu nome milagroso.

Ela seguia a vida.

Entregando sorrisos, cantigas, danças, coragem, astúcia e pureza, ela seguia a vida.

Esperançosa, ansiosa e de forma modesta, ela aguardava pelo tão profético dia.

Até que o dia chegou.

E com ele, carregado de uma majestosa imagem imponente e ameaçadora, seu infortúnio, trovejando e bradando, reclamava por algo que mais parecia um objeto do que um ser vivo, fazendo com que a ingenuidade se tornasse em experiência, e da experiência viesse surgir a realidade fria, amarga e bruta; todos lavaram o corpo da pobre jovem antes viva.

As pessoas não mais chamavam pelo seu nome. Seus pais tão pouco lhe dirigiam mais do que meia dúzia de palavras, e seus irmãos, bem, os irmãos se tornaram vagos, deixando-se de existir para que outros pudessem surgir das cinzas de uma guerra contra aqueles que sempre lhes foi ensinado a serem os únicos deuses.

Entregue de bandeja a um novo mundo, a pobre jovem aos poucos sentia-se confusa ao mesmo tempo em que um clarão se apossava mais e mais de sua mente, abrindo sua visão como uma clareira em um bosque repleto de vegetação.

Ela havia sido entregue para um primo. Pelo menos era como se chamava através da nova língua da qual havia surgido - jônico. E dessa relação amarga e forte, o mundo obterá os tais frutos longínquos que ela havia escutado há milênios de seus progenitores.

A humanidade.

E ela gostou do resultado. Sua alegria foi tanta ao ponto de atingir o interesse daquele que a via apenas como uma fonte de poder.

Ele então, curioso com o apego voluntário de sua jovem esposa, viu em sua ingenuidade uma forma de elevar seu domínio dentre os terrenos.

Cidades, estátuas, santuários, liceus foram erguidos dentre os homens com o falso propósito de espalhar o conhecimento e a importância daqueles que viviam muito antes deles e que agora residiam na morada criada nos céus, acima de suas cabeças e para quem deveriam erguer seus braços sempre que precisassem que uma prece fosse ouvida.

A jovem, cada dia que passava, sentia-se satisfeita e tão logo sua ingênua felicidade retornava. Seu marido, por outro lado, movido pela inveja dos feitos de sua esposa, passou a refletir no decorrer dos dias sobre a próxima persuasão que viria usar contra esta, uma vez que seus objetivos não mais se igualavam.

Ela gostava e via a humanidade como iguais, já ele via os humanos como fonte de adoração incessante. Ela não pedia a crença em troca de bênçãos, ele por outro lado era seletivo, suas bênçãos iam de encontro apenas aqueles que ele se via.

HELENIUS: A Criança Não NascidaOnde histórias criam vida. Descubra agora