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GABRIELA

São dez horas da noite e até agora não tive notícias do Filipe, liguei várias vezes e em todos a ligação foi direto para caixa postal, mandei várias mensagens e nenhuma deu confirmação de entrega, estou realmente preocupada, ele não é de sumir assim. Meu irmão também não comentou nada durante o jantar, mas deu para notar que ele estava tenso, com o semblante fechado, tenho certeza de que as coisas devem estar piores do que posso imaginar na casa do Filipe.

E como se não bastasse toda essa merda, ainda tem o meu lapso de loucura em beijá-lo ontem.

Tudo isso é uma grande bosta.

Estou me preparando para ir deitar quando escuto um barulho na minha janela, meu coração parece se aliviar instantaneamente, é automático. Sorrio e me viro em direção ao meliante que está passando com as pernas para dentro do meu quarto escuro.

– Ei você, eu estava preocupada – digo antes mesmo dele conseguir chegar até mim.

– Fala baixo, seu irmão ainda está acordado e a luz da sala também está ligada.

Dou uma risadinha por ele aparentar estar com medo de ser descoberto. É muito engraçado essa situação de ter que pular minha janela para podermos continuar a ser amigos.

Sem conseguir me conter mais, vou até ele e o abraço com força, inalo seu cheiro e percebo um odor diferente ao amadeirado de seu perfume, ao qual estou acostumada.

– É sério isso, você fumou maconha? – Me afasto ao fitar seu rosto iluminado pela luz da lua.

Filipe ajeita o boné em sua cabeça e coloca as mãos no bolso da bermuda, como se tivesse envergonhado, mas não por ter usado a droga e sim por estar levando uma bronca por isso.

– Não surta, eu até que demorei para começar, tu 'tá ligada que na minha idade todo mundo já usa.

– É só você não é todo mundo.

– E você não é minha mãe, então chega de drama.

Bufo frustrada e viro indo me sentar na cama.

Filipe às vezes é tão desnecessário, dá umas patadas gratuitas, que fico tão sem graça e nem sei o que dizer.

Sei que todo mundo na idade dele já usa, principalmente aqui na favela, mas sei lá, eu só queria que com ele fosse diferente, ele não precisa disso.

– Vim aqui porque queria te contar uma coisa – ele diz se aproximando e se senta de frente para mim – eu vou entrar para o movimento.

Juro, ouvir isso é como se uma facada estivesse entrando bem no meio do meu peito, me sinto até sem ar.

Eu sabia que uma hora ou outra isso ia acabar acontecendo, só não sabia que seria tão cedo.

– Meu pai tem me pressionado bastante, eu já passei da idade de começar se eu quiser comandar tudo isso aqui...

– Você não quer isso – digo exasperada, interrompendo sua fala.

– Quero sim Gabi, quero muito – ele diz firme ao me olhar nos olhos.

Sabe aquela facada que eu comentei? Então, agora foi muito pior.

– Eu preciso fazer isso, eu preciso ter poder o suficiente para acabar com essa vida de merda que eu tenho levado, preciso ser foda o suficiente e preciso que as pessoas aprendam a temer a mim, do mesmo jeito que elas temem o Perigo, porque só assim eu vou conseguir colocar um fim nesse caralho.

– Não precisa ser assim Filipe – digo com a voz embargada.

– Precisa e você sabe que eu tenho razão, você sabe que eu tenho que me tornar pior do que ele, porque só assim eu vou ter peito o suficiente para mudar alguma coisa.

Eu acho que é a primeira vez que o Filipe assume que leva uma vida de merda para mim, me dói ver nos olhos dele o quanto ele acredita que ele precisa ser igual ao babaca do pai para assim, poder mudar alguma coisa. É triste ver o quanto aquele imbecil do Perigo entrou na cabeça do Filipe.

– Eu só vim te contar, porque achei que você tinha o direito de saber – se explica – ah, e eu também vou largar o colégio.

– Você não pode fazer isso Filipe.

– Posso sim e vou, não tem sentido nenhum eu continuar indo naquela merda se o meu futuro vai ser atrás das grades ou dentro de um caixão.

– Idiota – xingo ao lhe desferir um tapa no peito.

Eu não acredito que esse idiota foi capaz de me dizer isso assim, dessa forma tão banal, que ódio!

– Para com isso, seu irmão vai ouvir – ele segura minhas mãos que continuam a estapeá-lo. – Sem contar, que você sabe que eu tenho razão.

– Como você é otário Filipe.

– Não, sou apenas realista.

– E como sua mãe reagiu a isso?

– Não quero falar sobre ela.

Suspiro frustrada sabendo que não vai adiantar discutir com ele.

Eu sabia que isso ia acabar acontecendo, só não estava preparada.

Deito e olho para o teto, estou com medo de perguntar para ele como eu fico nessa história, se ele vai se afastar de mim.

Sinto seu corpo se acomodar ao lado do meu e sua mão procura a minha na escuridão.

– Obrigado por tudo Gabizinha, você não sabe o quanto faz por mim e o quanto é importante. Você sempre respeitou meus momentos e nunca me pressionou a dizer nada e quer saber – sinto seu rosto virar em minha direção, então me viro fitando seus olhos – obrigado pelo beijo de ontem.

Sinto minhas bochechas corarem instantaneamente e meu coração acelerar mais uma maldita vez por esse garoto.

– Apesar das circunstâncias, eu gostei, gostei muito mesmo.

Dou uma risadinha sem graça e me deixo ser abraçada por seu corpo magro e gelado.

– Não quero que você se afaste de mim – assumo baixinho e sinto seus lábios deixar um beijo em meus cabelos.

– Eu também não quero.

Meu larOnde histórias criam vida. Descubra agora