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GABRIELA

Iludida, isso é o que eu sou. Uma grandissíssima iludida.

Não sei por que eu acreditei que o Filipe não iria de afastar de mim, sendo que isso foi a primeira coisa que ele fez. Assim que ele entrou para o movimento, parou de entrar pela minha janela e quando me via na rua, olhava para o outro lado ou simplesmente fingia que não me conhecia.

E puta que pariu, como isso doía, doía demais.

De repente, voltei a ser a menininha irritante, a irmã do melhor amigo, passei a ser qualquer uma na vida dele. As mensagens que eu mandava quase nunca eram respondidas e quando eram, era só um "ok", "blz" ou "de boa".

Eu fingia para mim mesma que eu não me importava, fingia que aquele sentimento de ser deixada de lado não me afetava, mas é obvio que eu estava mentindo e que tudo que eu mais queria era voltar ao tempo em que ele ficava vendo filmes comigo, escutando músicas ou só me ouvindo reclamar da vida.

Hoje é meu aniversário de quatorze anos e meu pai me convidou para passar o dia com ele no condomínio onde mora na Barra da Tijuca. Ele é um advogado criminalista muito bem-sucedido, por isso sua agenda é muito complicada, porém ele tirou o dia de hoje para dedicar somente a mim, então por isso estou agora mesmo arrumando minha mochila para poder ir.

Não posso mentir e dizer que eu não gostaria de passar o dia aqui, com a minha mãe, meu irmão e o Filipe, mas eu sei que as coisas não são mais assim e o Filipe nem é mais bem-vindo na minha casa depois que entrou para o crime. Minha mãe está cada dia mais preocupada com a amizade dele e do Thiago, então decidiu por si própria que seria melhor ele não vir até aqui. É claro que meu irmão não aceitou muito bem a ideia, o que gerou uma grande confusão entre ele e a minha mãe, mas Dona Sara é teimosa e quando coloca algo na cabeça, não há quem consiga tirar.

– Gabriela, seu pai está aqui embaixo – ouço a voz da minha mãe me gritando e fecho a mochila colocando-a nas costas.

Faz tempo que não vejo meu pai, vai ser bom passar esse dia com ele, esquecer um pouco do Filipe e o quanto a distância que ele impôs a nós me faz mal.

Desço as escadas correndo e me jogo nos braços fortes do meu pai, que me acolhe sem nem pensar. Nossa, eu não sabia que estava com tantas saudades dele assim, até sentir seu abraço apertado me tirar todo o ar.

– Quem é a princesa que está completando quatorze anos – sussurra em meus ouvidos.

– Para de me tratar como uma criancinha, eu já sou uma moça, não está vendo? – Solto-me dos seus braços e dou uma voltinha em sua frente. Ele ri para mim, negando com a cabeça.

– Não importa quantos anos tenha, vai ser sempre a princesinha do papai.

– Chega disso não é Alberto, a Gabriela não precisa ser ainda mais mimada – diz minha mãe cortando a onda de sentimentalismo do meu pai. – Quero você aqui a noite sem falta mocinha, me recuso a não passar um pouco do seu dia com você – conclui ela ao me abraçar.

– Pode deixar.

*

Passei o dia todo me divertindo com meu pai, saímos da favela e fomos almoçar no shopping e ele me deixou comprar milhares de coisas com seu cartão. Depois fomos para o condomínio dele e passamos a tarde toda na piscina, com direito a muitos comes e bebes e antes dele ter que me trazer de volta para o morro cantamos parabéns com um bolo de morango e chantilly na enorme sala do seu apartamento.

Sei que meu pai não é assim alguém tão presente na minha vida, devido ao excesso de trabalho, mas consigo ver o quanto sou importante para ele sempre que estamos juntos. Aproveitamos tudo o que temos direito e eu consigo sentir o quanto isso o deixa feliz.

Sou fruto de um relacionamento relâmpago, entre uma faxineira e um playboyzinho, como diz o meu irmão. Meus pais tiverem um rolo breve, quando minha mãe trabalhava na casa dos meus avôs paternos para poder sustentar o filho pequeno.

Dona Sara nunca foi santa, como ela mesma diz, teve meu irmão aos dezoito anos, fruto de um caso de uma noite só. Meu irmão não conhece o pai e minha mãe diz que é melhor assim, o cara era envolvido e pelo que ela conta não era muito boa pessoa.

Depois de se ver mãe solo, sem a ajuda dos meus avôs maternos, minha mãe resolveu trabalhar no asfalto, em casa de família, que foi onde conheceu meu pai.

Os dois tiverem um romance breve, que resultou em mais uma gravidez, ou seja, eu. Minha mãe pensou que meu pai não assumiria o filho, mas indo contra todas as estatísticas, ele não só assumiu como propôs casamento a ela, que infelizmente recusou.

Ela diz que é bicho solto, que não serve para estar em um relacionamento, que não quer dar margem para ninguém mandar e desmandar na vida dela e por isso ela continua solteira e criando a mim e ao meu irmão com muita luta e trabalho duro,

Apesar de não terem dado certo como casal, meus pais têm uma boa convivência e ele sempre se preocupa em dar o melhor, não só a mim, como ao Thiago também. Ele é um homem incrível.

– Chegamos princesa, vamos subir.

Meu pai sempre deixa o carro estacionado na praça, antes da entrada do morro. Por mais que ele seja pai de uma moradora e esteja sempre por aqui, ele prefere evitar o atrito com o Perigo. O chefe da comunidade é um pé no saco e meu pai conhece muito bem a peça, não só pelo que ouve aqui na favela, mas principalmente pelos inúmeros casos com o vulgo do Perigo no tribunal.

Desço do carro com meu pai e logo na entrada meus olhos se fixam no garoto sem camisa, com uma AK-47 atravessada no peito. Seus olhos também se fixam aos meus e desta vez, diferente do que vem acontecendo, ele os mantém ali. É estranho pensar que até alguns meses atrás esse mesmo garoto entrava no meu quarto escondido com medo do meu irmão, só pela minha companhia.

O tempo parece congelar enquanto nossos olhos permanecem ali, conectados um ao outro, meu coração parece que vai sair pulando pela boca de tão rápido que está batendo e sinto o suor escorrer entre meus dedos.

Droga, como eu sinto sua falta!

– Aquele ali não é o Filipe? – Meu pai pergunta olhando na mesma direção que eu.

– É, é ele mesmo.

– Não sabia que ele tinha entrado para o tráfico, que pena, ele parecia mesmo ser um bom menino.

– Pois é... – Corto o contato visual e abaixo minha cabeça – parecia mesmo – concluo baixo.

*

A noite terminou melhor do que começou.

Apesar de ter visto o Filipe na sua nova realidade e aquilo ter me destruído, meus pais conseguiram melhorar minha noite ao planejar um jantar entre família. Comemos e conversamos e no final meu irmão apareceu com um bolo, cantando parabéns e me pedindo para assoprar as quatorze velhinhas no topo.

Me senti querida e amada por eles.

Estou terminando de pentear os cabelos para me deitar, quando escuto um barulho na janela. Chacoalho a cabeça, porque isso só pode ser uma alucinação do meu subconsciente e continua a desembaraçar os fios.

– Ei psiu – não, não pode ser, essa voz... – Feliz aniversário garota.

Minhas forças parecem se esvair e sinto minhas pernas fraquejarem, minha visão fica levemente escura e tenho a sensação de que vou desmaiar.

Não é possível, mas que merda esse garoto está fazendo aqui?

– Gabi?

Vou com tudo em sua direção e como em meses atrás, começo a estapeá-lo com tudo o que tenho.

Como ele teve a audácia de aparecer aqui como se nada tivesse acontecido.

Filipe segura meus pulsos e me puxa para si, me envolvendo em seus braços, agora mais fortes do que eu me lembrava, me abraçando com força. Aos poucos, me sinto ceder aquilo e retribuo o abraço, me permitindo matar a enorme saudade que eu sentia de estar exatamente aqui, dentro do meu lugar preferido no mundo.

– Desculpa – diz baixo.

– Você é um idiota e eu odeio você!

– Eu sei pequena, eu sei...

Meu larOnde histórias criam vida. Descubra agora