Parte um: Para Sempre.

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Nove de dezembro de dois mil e três

(San Isidro, Argentina)

Mariano esfrega as mãos nos olhos, livrando-se das palavras com uma expiração que soa carregada demais para uma aparência tão inconsistente.

— É o meu trabalho. — Ele dispara com o tom bonançoso, perdendo as contas de quantas vezes essas palavras escaparem de seus lábios nos últimos dias. — Eu preciso que você entenda isso de uma vez por todas, Alice.

— Eu não tenho que entender nada. — Alice exalta seu tom, encarando-o com os olhos entumecidos e um olhar assomado. — Eu aceitei por todos esses anos cuidar das nossas filhas sozinha. Tranquei a faculdade, deixei de trabalhar, mas apesar de não me arrepender disso por nenhum momento, me sinto traída e sozinha enquanto você está por aí num navio. Além de mãe, sou uma mulher que precisa da atenção do meu marido, quando irá entender? Essa responsabilidade é conjunta, nossa, não apenas minha.

Maneia a cabeça, encolhendo os ombros, continuando então: — Você some por nove meses, fica com suas filhas por uma semana e some por mais nove meses, e agora tem ainda a coragem de me dizer que vão aumentar o período pra um ano inteiro? Você já recebe o suficiente para alimentar nossa família, suprir as contas e ainda vivermos confortavelmente por quanto tempo quisermos, por que aceitar esse aumento?

— Você tem que entender que é esse o meu trabalho. Eu não posso rejeitar esse aumento de cargo se eu quero ser superior ao meu chefe algum dia. 

Os traços de Alice se tornam mais rígidos, incompatíveis com a calma que enuncia suas próximas palavras enquanto respira fundo depois de olhá-lo por um breve segundo: — Eu estou grávida, Mariano.

Essa novidade era o seu ponto alto da noite e não se passou por sua cabeça que iria ser dessa forma seu anunciado.

Ela arrumou a mesa com os talheres chiques, escolheu as melhores cores para o seu retrato e o observou tolerar isso enquanto jogava em seus ombros o peso de ter subido de cargo e que agora trabalhará por mais tempo do que o que já era. 

Mariano limpa a garganta, apertando os dedos nas clavículas como uma mania para aplacar o nervosismo. Não esperava mais filhos após Beatriz e Helena, no entanto, estava enganado.

— Meu amor, eu não-

— Não precisa dizer mais nada. — Alice se levanta exasperada, jogando o pano de prato com detalhes em dourado por cima da mesa. — Que sua viagem seja ótima.

Afasta-se dele e caminha em direção à cozinha, olhando-o por uma última vez resistindo a urgência de tapar os ouvidos e liberar todo o bolo entalado em sua garganta.

Bia, sua filha caçula de apenas nove anos, se encolhe por debaixo do cobertor, assustada com os gritos barulhentos no andar superior de sua casa, suspirando frustrada por ter que ouvi-los todos os dias, sem pausas entre as brigas.

— Ei. — Helena, sua irmã mais velha, sussurra. — Eu estou aqui, está bem?

Seus braços apertam o corpo pequeno da irmã, tapando seus ouvidos com as mãos cobertas de anéis, desejando que o som abafasse para ela enquanto parte de si desejava que houvesse outras mãos para também tapar os seus, a sensação se assemelhando à uma facada direto no peito.

— Por que eles brigam tanto? — Bia pergunta com os olhos pequenos esbulhados e chorosos enquanto as lágrimas escorrem pelas bochechas gordas coradas de frio.

— Eu também não sei. — Helena suspira, seus pensamentos voando para longe mesmo que seu racional insista para que eles voltem. — Às vezes o amor desgasta e é difícil continuar e misturado com isso, têm pessoas que toleram amores que deveriam ser celebrados em vez disso, compreende?

Idas e Vindas [binuel]Onde histórias criam vida. Descubra agora