Parte dois: Dorothea.

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2019, Buenos Aires, Argentina

(Beatriz)

— Bia, você não vai acreditar. — Celeste resmunga enquanto arrasta o dedo na tela do seu tablet.

Desvio o olhar do centro movimentado de Buenos Aires para encará-la.

— Em quê?

— Você precisa entregar aquele projeto pra a área gourmet do Gastón Alvaréz antes do meio dia.

— O quê? — Abaixo o vidro do carro para pegar um pouco do vento frio no rosto. — Não conseguiu estender o tempo? Eu pedi a ele uma semana e meia.

— Sim, mas ele precisa que o projeto seja entregue o quanto antes pra que comece a reforma, ele quer mostrar para a esposa como um presente pelos cinquenta anos de casados em alguns meses.

Por um breve momento, odeio que o romantismo ainda esteja vivo e existam caras como Gastón perambulando por aí.

— Está bem, Celeste. — Faço uma careta. — Anote em um post-it e coloque no topo do meu quadro de avisos quando chegarmos no escritório. Vou finalizar no tempo exigido.

— Eu sei que sim. — Ela diz e me entrega uma garrafa de água destampada. — Não é puxando seu saco, mas você é a melhor nisso.

— ''Não é puxando seu saco''. — Digo imitando sua voz com o riso escapando pelas brechas dos meus lábios e bebo um gole da água fria. — Você já é minha funcionária e secretária favorita, não precisa de tanto pra tentar me persuadir.

— Eu também amo você.

Rolo os olhos com o tom de brincadeira com que ela pronuncia. 

— Outra coisa, — levanta o indicador, guardando o tablet na bolsa de couro — Alex marcou o almoço de vocês no Pony Line às treze horas, pediu pra que eu te avisasse.

Dou um breve sorriso e busco meu celular no bolso, rolando a tela para encontrar o contato do meu namorado.

Eu: Nem sei se consigo esperar para às 13h.

— As coisas parecem estar boas entre vocês. — Celeste espia minha conversa. — Quando ele vai te pedir em casamento? Vocês estão juntos há três anos e acho que é bom oficializarem as coisas.

Olho incrédula para Celeste.

— Eu não sei se estou pronta pra esse passo tão gigantesco. — Molho a garganta seca e institivamente a encaro, recebendo um erguer de sobrancelhas em resposta.

— Vocês moram juntos, não é um passo tão gigante assim. — Ela diz e sorri, tirando os cabelos pretos dos óculos quando o táxi estaciona em frente a empresa onde trabalhamos.

Endireito as costas e empurro a franja para fora dos olhos enquanto penso e repenso no que ela diz. Não é que eu não me veja casando com Alex um dia, porque me vejo, mas é mais complexo do que parece.

Em minhas quartas-feiras de terapia, trabalho em minha concepção de não ser boa o suficiente para manter alguém interessado por mim por muito tempo, inclusive que queira se casar comigo. Uma vez Alex me chamou de patologicamente obcecada por agradar as pessoas durante uma discussão, talvez ele esteja certo e eu nunca esquecerei do que me disse.

Pego meu celular.

Alex Benítez: Eu também não vejo a hora, linda. Até às 13h.


Me dou cinco segundos para respirar coordenadamente depois de quase três horas seguidas do planejamento da área gourmet de Gastón. É um projeto gigante, que tem ocupado quase todo o meu tempo e eu não esperava uma reta final tão rápida. 

Idas e Vindas [binuel]Onde histórias criam vida. Descubra agora