Prólogo ⮕ Encurtando a História.

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Dedico essa história para os que carregam a coragem e a perseverança de amar. E para os que acreditam que nenhuma dor perdura Para Sempre.

Sempre ouvimos diversas perguntas quando somos jovens. Mas, de todas, a mais repetitiva e de certo modo significativa, é a tão tensa: "O que você quer ser quando crescer?"

Sempre fui observadora. Aos cinco anos percebi que não gostaria de ser o que minha mãe é. Ela é um tipo de professora. Não exatamente daquela que tem muitos alunos, ou trabalha em uma escola, mas sim uma que ensina sobre sentimentos. Há outro nome que Helena me explicou, mas eu não me lembro muito bem dele.

Minha mãe me disse não achar justo que as pessoas paguem para receber ajuda de algo que salve sua saúde (mental e fisicamente). Então, sendo bem diferente dos adultos normais, ela não recebe dinheiro algum pelo seu trabalho, e sim, porções de comida.

É por isso que, em todos nossos almoços, ou comemos empanadas, ou lentilhas ou...

— Paella de novo? — Helena diz em seu mais breve tom irritado, rolando os olhos por trás das lentes dos óculos de aro grosso.

Mamãe balança o ombro como quem dizia ''não tenho o que posso fazer''.

Ao contrário de minha irmã, abro um sorriso e sirvo um pouco de Paella em minha colher e levo à boca me deliciando com o sabor extraordinário mesmo sendo tão conhecido.

Minha mãe parou de trabalhar quando meu irmão Miguel nasceu. Meu sorriso sempre aparece quando ele está por perto, mas me irrita que ele chora bastante por toda a noite e não consigo dormir na maioria das vezes.

Então eu também não gostaria de trabalhar com crianças.

Em certas vezes, gostaria de ser igual ao meu pai. Ele é um marinheiro, então seus dias se resumem à velejar pelo mar por meses (nove) e sempre voltar com presentes para mim e minha irmã. Não gosto muito quando ele está fora, mas é bom ser presenteada com bonecas de pano novas.

Não desejei mais ser igual à ele quando esperei pacientemente por novas bonecas ou apenas para ter seu vislumbre, mas não aconteceu e quando perguntei para minha mãe o motivo, ela não me respondeu. Nem Helena.

Papai era sábio, gostava dos seus conselhos, mas agora, apenas espero na porta por ele todo fim de tarde, mas ele nunca aparece.

É desde aí que descobri um ótimo dom, na tentativa de lidar com essa frustração e me distrair dos trabalhos escolares: Sou boa em construir coisas. Montei um avião de papel com palitos de dente, pedaços de papel molhado e bonecos feitos com giz de cera para a aula de ciência. Recebi dez como nota final.

Não parei somente nesse pequeno pedaço de criação, sou boa em especificamente construir casas para os pássaros que aparecem no nosso quintal e mamãe os espanta incomodada por estarem destruindo suas hortaliças e as flores bonitas do jardim perto à piscina.

No terceiro ano do fundamental, construí uma casa de bonecas com pedaços velhos de madeira e uma cola boa. Nic, um garoto sardento, esguio e descolado se aproximou da minha mais nova criação no intervalo e, de um jeito maldoso, jogou no chão com toda sua força.

Ela quebrou em milhares de partes pequenas e como não sou boa em revidar atitudes malvadas, apenas corri para o mais longe que consegui, escorando as costas em uma árvore gigantesca que fica em um bosque próximo à minha casa — ele faz parte da propriedade da minha família, meu pai antigamente montou uma casa nessa árvore que há muito tempo não é usada, então está velha e cheia de madeiras podres, mamãe também não nos deixa entrar com medo de bichos invasores.

Escondo o rosto entre as pernas encostadas em meu peito e choro compulsivamente. Escapam soluços por entre meus lábios e há uma dor aguda tornando-se maior sempre que tento respirar, e com isso não consigo controlar todas as lágrimas que vem depois.

— Eu não consegui montar como estava, mas acho que pode ser uma cópia fiel. — Levanto o rosto quando ouço a voz doce e adoravelmente baixa.

Encaro de baixo Manuel, um colega de classe tímido e introvertido, segurando minha casa de bonecas novamente colada. Ela está meio torta, faltando alguns pedaços importantes e há outros objetos colados em lugares errados, mas julgando pelo seu sorriso, ele parece orgulhoso de seu feito. E eu também fico.

Vejo-o colocá-la no chão e ele se senta ao meu lado com as pernas cruzadas, tomando um certo espaço entre nós, ainda que nossas coxas se esbarrem caso nos mexemos.

Ele encolhe os ombros e sorri ao mesmo tempo que parece pensar em palavras que possam me ajudar com meu estado vulnerável e diretamente triste.

— Eu acho lindo todas as casas que faz, eu já te vi fazer aquela de pássaros na aula da professora Camille.

Solto um suspiro desregular. — Obrigada. — Abro um pequeno sorriso para não chateá-lo.

— Nic é um idiota. — Diz e parece inseguro quanto à segurar minha mão, mas faz mesmo assim, com nariz erguido e tudo. — Ele só fez isso porque sabe que não conseguiria fazer uma casa igual, então sentiu inveja.

— Você acha? — Meus olhos dobram de tamanho, me agarrando na esperança que ele me passa através de seus olhos castanhos que brilham fortemente com a luz dos raios de sol que passam entre os galhos das grandes árvores.

— Claro. Por que mais ele faria isso? Ele não é bom em nada. Só em ser um mala sem alça, nisso ele é muito bom.

Escapo uma risada baixa, espremendo os lábios para não deixar uma mais alta sair.

— Eu te fiz rir. — Ele constata sorridente, o indicador tocando minha bochecha. — É sério, quando ele for um idiota assim, conta pra alguém. Quando ele fez algo igual comigo, eu contei pra minha mamãe e ela resolveu isso. Acha que a sua pode ajudar?

— Não sei.

Minha mãe não costuma gostar de confusões, com todo seu papo de mais amor e menos brigas, isso mudou apenas em um único dia quando Helena se encantou por um garoto no ano retrasado, antes de conhecer seu novo namorado Víctor, e ele fez ela chorar durante o baile da escola. Mamãe jogou ovos em seu jardim e picotou suas cartas na caixa de correio.

— Sendo assim, eu mesmo posso resolver.

Arqueio a sobrancelha. — Você?

— Sim, ele vai ver só comigo amanhã. — Sua feição angelical parece amarga dessa vez, dura, ainda que malditamente adorável. — Você é legal, não gosto que mexam com pessoas legais.

Então, de repente, aquele pequeno garoto de olhos castanhos como mel, covinhas profundas nas bochechas naturalmente vermelhas, blusas xadrez com calças surradas e cabelos bagunçados como peças de um dominó que caem livremente, se torna muito.

E, em quem sabe quinze anos depois, eu ainda sinta falta do seu sorriso e do seu claro humor que me fazia rir por horas.


Antiga eu,

Eu quero te dizer para não se perder nessas coisas mesquinhas. Seus nêmesis vão se derrotar sozinhos antes que você tenha a chance de se preparar. E ele está passando, raro como o brilho de um cometa no céu, e faz você se sentir em casa. Para encurtar a história foi um momento ruim, mas você sobreviveu.

Idas e Vindas [binuel]Onde histórias criam vida. Descubra agora