Capítulo Único

127 10 35
                                    

Notas do narrador:

Estava assistindo alguns vídeos de uma influenciadora cega que acompanho pelo Instagram(@/geisafarini), e em um vídeo dela um homem comentou que uma vez perguntou pra uma pessoa cega que trabalhava com ele se ela enxergava tudo preto. Ela disse que não, que era diferente de fechar os olhos, que a sensação era mais... Vazia.

Alerta de gatilho: Depressão, ansiedade, inseguranças e menções a mortes e a possível transtorno alimentar.

-//-

01:37am

O mundo era injusto.

Dante acabou se vendo em sua própria hipocrisia aos pensamentos. Imutável, quase palpável, era possível escutar aquela voz ressoando ao fundo.

Não, era uma sátira.

Ele não se viu. Ele não via nada.

Ele sabia que o mundo era injusto, e sua vida inteira não passava disso: Ironia.

Que divina comédia, não é?

Talvez fosse o destino, talvez estava prescrito pelo divino que sua vida iria ser composta apenas por mortes e sangue. Sangue. Ah, e uma doce ilusão de que as coisas poderiam dar certo. E no fim, lá estava: Sempre o sangue.

O seu próprio sangue que escorre em vão e suja o chão por onde passa. O sangue deles antes mesmo de conhecer o próprio nome. O sangue dele que não foi capaz de estancar. O sangue de tantos que queimou em meio as chamas naquela noite. O sangue dela que entrou em suas narinas e o fez vomitar. O sangue de outros que morriam em seus comandos na UTI. O sangue da criança em suas mãos. O sangue dela que manchou a grama ao tiro ensurdecedor.

E o pior? É que o sangue sempre esteve acompanhado, nas entrelinhas, na sua própria confusão e inocência, na sua ironia. Ele seguiu deixando mortes pelo caminho. Ele era o pináculo, ele era a causa da destruição na vida das pessoas, e por quê? Porque simplesmente não notou isso antes? Ele que havia iniciado todo esse incêndio.

Ele era inteligente, estudou por anos e anos, ele conheceu o que pessoas jamais deveriam poder conhecer. No fundo, ele estava cansado de sempre erguer os braços, mas o que poderia fazer afinal? Era o preço por saber.

Dante sabe que desde o início está condenado.

Talvez essa história de marcado seja mentira afinal, ou talvez ele não seja tão inteligente quanto pensa. Quem em um bilhão de possibilidades faria tanta coisa ruim? Quem em um bilhão de alternativas acabaria como um assassino atrás das grades e um peso incontável no peito que fazia seu coração frágil fraquejar mais e mais?

Dante era desprezível. Ele sequer merecia o próprio nome.

Talvez se negasse a acreditar para se livrar da culpa, daquele gosto amargo que subia em sua garganta toda vez que sentia o cheiro de comida, ou mesmo dessa ansiedade latente que segue deixando uma espiral de pensamentos erroneos e ansiedade desnivelada para trás.

A verdade é que Dante sempre foi isso, antes mesmo de sequer ser Dante, ele era apenas uma mente ansiosa.

E a sua ansiedade costumava ser ignorada quando perdia os seus pensamentos em bons livros. As palavras tinham esse poder, elas se misturavam em uma melodia radiante, dançavam ao som de adjetivos e locuções verbais, se encantavam ao se alimentarem da mais perfeita figura de linguagem e erravam ao saltar pela sintaxe. As palavras eram indefinidas, indescritíveis, indizíveis.

As palavras eram a sua tentativa desesperada de dizer o que jamais conseguiria ter dito.

Gaspar lia para espantar aquela angústia que penetrou em seus ossos, lia para que os demônios não adentrassem o seu palácio mental. Rezava para que o dia seguinte chegasse logo, e então escrevia para despejar o coração dolorido que batia acelerado no peito, escrevia para acalmar a tremedeira de suas mãos sempre frias, escrevia para se lembrar de que ainda está vivo.

Vazia Escuridão  |  Danthur Onde histórias criam vida. Descubra agora