EP 01: Mustang Branco

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TERÇA FEIRA, 24 DE OUTUBRO DE 2023

Mais um inverno amazônico chegara a Manacapuru, e ali estava Ravi Trindade para absorvê-lo. Sentado na varanda da frente de sua casa amarela e tomando açaí num copo que antes fora usado por seu avô para beber cerveja, Ravi imaginava o que faria em seguida. Desde que a vida foi lhe dada novamente ele tentava não gastar tempo pensando em lembranças que deveriam ser esquecidas.

Os netos de Dona Chica que moravam na vizinhança concertavam a sua bicicleta velha. Do outro lado da rua, crianças brincavam numa piscina montada, borrifos da mangueira molharam seus rostos. Enrolado numa capa de poliéster verde, Ravi virou a face para o ralo sol e imaginou que as gotas eram do rio, e que estava em sua verdadeira casa, no Rosa de Saron, interior.

Um Jeep Renegade vermelho percorreu a rua devagar. Parecia um carro municipal. Tinha as palavras CLÍNICA impressas na lateral. Quando parou na entrada da garagem de Ravi, uma moça baixinha, elegante no seu jaleco branco, saltou.

— O que tá fazendo aqui? — perguntou Ravi, sorrindo.

— Você costumava ser mais recepcionista. — disse a mulher.

— Achei que já tínhamos acabado — Ravi comentou, despenteando distraidamente os longos fios de cabelos brancos que caíram sobre sua testa. 

 — Acabado? Minha filha me mataria. Além disso, acha que é assim que eu trato meus amigos?

— Sou seu paciente, Mira.

— Era, Ravi. ERA. Viemos aqui para levá-lo a um passeio.

— Passeio? Pra onde? — Ravi deu uma olhada para o carro e reparou que Nobara estava no banco de trás.

— Feliz aniversário!! — disse Mira, curvando-se para lhe dar um abraço.

Ravi levantou-se e abraçou a terapeuta. Chaves, canetas e um celular tintilaram nos bolsos de Mira. O abraço trouxe uma sensação terna a Ravi, que mordeu o lábio.

— Como tu soube? — perguntou quando se separaram. Naquele dia, Ravi completava 22 anos. Até o momento, o aniversário se passara em silêncio: nada de festa, mensagens, nem telefonemas da família. Na janela de trás do carro, Ravi observou Nobara erguendo um desenho: a própria menina ao lado de um homem que deveria ser o personagem Gojo Satoru, mas, pelos cabelos longos e brancos, percebeu que também se tratava dele.

— Li sua ficha técnica — disse Mira, abrindo um largo sorriso. — Bora lá.

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