Fumaça e Cinzas

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🫀
Da mesma forma que a fumaça queima meus pulmões por dentro meu amor, eu tento queimar minhas lembranças que eu tenho com você, mas, você sempre volta das cinzas que sobram dessas memórias e sempre faz com que eu tenha que queimar tudo de novo.
"Um para o dinheiro, dois para o show, eu te amo querido, e eu estou pronta para partir..."
Perdi a conta de quantas carteiras de cigarro eu sozinha queimei essa semana, perdi a conta de quantas vezes eu quebrei o cinzeiro, de quantas vezes eu me queimei com as cinzas do Marlboro e de quantas vezes eu te vi na fumaça negra que eu soltava de meus pulmões.
Só hoje, que eu possa me lembrar, eu me recordei de nossos momentos juntos umas cinco ou sete vezes talvez nove ou dez vezes, de como eu estava tão feliz naqueles dias, de como eu respirava profundamente ao seu lado, aquele ar gelado de uma noite fria, e de como a fumaça que saia da minha boca era somente o ar quente de meu corpo se condensando, e da mesma forma fácil e ingênua que eu me lembrava dessa sensação maravilhosa que eu tivesse desse dia, eu tentei queimá-las.
Eu tentei amor, tentei me esquecer de tudo isso, esquecer e seguir em frente seria o que você gostaria que eu fizesse, mas eu não consegui, tentei afogar todas essas lembranças nossas juntas mas elas aprenderam a nadar em meu oceano, eu tentei usar a violência ao meu favor e subjugar elas ao esquecimento mas elas eram mais violentas ainda, tentei envenenar e entregar todas elas as sanguessugas que sempre estão a minha sombra, mas nem isso fez ela sumirem de minha mente e de meu coração, então, desesperadamente, eu as queimei.
Puxei um cigarro de filtro vermelho da carteira que tinha escondido, acendi enquanto a bela chama do isqueiro destruía a delicada ponta do cigarro - te lembra algo amor? - e então, puxei toda essa fumaça, essa nicotina, esse papel queimado para os meus pulmões para tentar fazer a dor e ardência de engolir a fumaça ser maior que a dor de lembrar de você, funcionou, eu me esqueci de você.
Eu puxei, segurei a fumaça e fiz ela arder, fiz ela queimar minha laringe minha traqueia meus brônquios e meus pulmões, fiz essa fumaça cinza abrir feridas em mim por dentro, e quando soltei, ah meu amor, quando eu soltei eu senti tudo o que eu me lembrava de você, indo com a fumaça.
Eu me senti tão bem, por mais que doesse para respirar ar puro, doía menos que lembrar de tudo o que vivemos, e isso me deixou muito contente.
Mas da mesma maneira que a fumaça saia rasgando a pele de meu nariz por dentro e levando tudo o que eu me lembrava junto a ela, ela voltava para mim, ela subia em meu rosto e com seu toque cinza e morto entregava tudo de volta a mim. "Um não será o suficiente" pensei comigo mesma sobre o cigarro, e realmente, não era o suficiente para te esquecer.
Tirei outro cigarro, e da mesma maneira, tudo se foi, e da mesma maneira, tudo voltou. Então continuei, mais um, mais um, mais um, mais um, mais um, mais um e... mais um cigarro, mais uma doce e pequena morte para tentar te esquecer, mas quando reparei, a carteira de cigarro inteira já tinha ido, mas você não, eu queimei tudo, menos essas memórias.
Eu queimei uma, duas, cinco, oito, nove, doze carteiras de cigarro na semana, queimei até não conseguir sentir a fumaça entrar em meu corpo mais, mas eu ainda sentia as minhas memórias com você, sentia elas latejando em minha cabeça, mesmo eu as incendiando com nicotina e fumaça todas as horas todos os dias dessa maldita semana, elas viraram PÓ viravam CINZAS, e eu as soprava no ar como fumaça, não sobrava nada, somente cinzas em meu cinzeiro, as vezes até fora dele, mas em uma respirada de ar puro que me lembrasse aquele ar gelado daquele dia, elas se materializavam de novo em mina mente.
Meu nariz sangrou, de tantas vezes que soltei a fumaça por ele, minha boca ressecou, de tantas vezes que eu sem querer engoli essas cinzas, meus olhos amarelaram, por sempre ver seu formato na fumaça.
Seu formato.
Eu perdi as contas depois da décima segunda carteira de Marlboro vermelho que eu comprei, eu soprava a fumaça e via seu rosto, lá de cima, quando a fumaça quase encostava no teto da casa, eu olhava para ela, tão calma, simples,delicada, suave... e carregada de nossas lembranças, eu via seu rosto nela, eu sentia seu perfume no cheiro amargo da fumaça, eu sentia seu toque quando as cinzas quentes encostavam em minha boca, amor, mesmo eu tentando queimar essas memórias, elas me queimavam mais ainda.
Não me recordo mais, de quantas vezes eu fumei, de quantos cinzeiros eu quebrei jogando eles contra a parede, de quantas vezes eu me assustei achando que as cinzas quentes caindo sobre mim eram você me tocando, eu me esqueci de até mesmo como era a dor da fumaça entrando dentro de mim, mas eu ainda me lembro de você.
Talvez porque eu te veja na fumaça, talvez porque eu sinta seu gosto de carne fresca no cigarro, talvez porque o cheiro da fumaça seja parecido com o de menta amadeirada que era seu perfume, talvez porque as cinzas me lembrem o toque de sua mão quente sobre meu corpo frio, talvez porque sempre que eu respirava fundo o ar puro e gelado eu me lembre da noite em que te vi.
Engraçado, eu não me recordo nem de quantas vezes eu dormi com o cigarro na mão, de quantas vezes eu queimei a ponta de meus dedos com o isqueiro quente, mas eu me lembro meu amor, de te ver nitidamente por trás da fumaça do meu cigarro, eu me lembro de te ver vindo em minha direção e me olhando com seus olhos curiosos para sabe se era realmente eu que estava te esperando.
Meu amor, que fique claro, eu queimei todas as nossas memórias, eu as incendiei, eu as joguei no inferno e as acendi com um isqueiro para que queimassem eternamente, eu as reduzi a cinzas, mas, como uma fênix, uma maldita fênix que veio me atormentar e amaldiçoar, das cinzas, todas elas, todas as lembranças e memórias que eu tinha com você, voltavam, e sempre que isso acontecia, que elas voltavam a minha mente, eu era obrigado a fumar, para tentar as queimar novamente.
Talvez um dia elas se cansem de reviver, quem sabe um dia, eu consiga queimá-las verdadeiramente para que as únicas coisas que eu leve de você sejam as cinzas, a fumaça, os cinzeiros e as bitucas de cigarro que eu colecionei durante todo esse tempo, para te esquecer.
~amor não duvide, eu as queimei até nas chamas ardentes do inferno, mas ela sempre voltam... menos... você~

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