002﹕tua fragrância.

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Elizabeth Campos.
fevereiro, verão brasileiro.


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     Minha mão envolveu a maçaneta gélida para abrir a porta, e para minha surpresa se tratava de...

─ Senhor Frederico! aconteceu algo? ─ Perguntei curiosa para o homem que costumava ficar na recepção.

─ 'Bebeta' ─ O apelido que as pessoas do prédio costumavam me chamar. ─ O novo morador ligou reclamando do barulho que a senhorita está fazendo. Ainda é o primeiro dia dele aqui...

─ Mas... Mas ainda não é vinte e duas, eu tenho direito de fazer barulho, correto? ─ O senhor tinha uma expressão de discordância e desconforto enquanto eu tentava me defender. ─ E outra, eu nem 'to fazendo barulho!

Mentirosa.

─ Ele disse que a voz da senhorita está irritando até o gato dele, que tentou fugir com a barulheira. Disse que você deveria fazer algo mais relevante do que irritar um prédio inteiro pela noite...

Uma gargalhada alta que estava presa em meu interior foi libertada, aquilo so poderia se tratar de alguma piada. Uma idiota piada.

─ "Ele", tinha que se tratar de um homem. Eu vou resolver cara a cara esse assunto com aquele cafajeste, cadê esse maníaco? idiota, imbecil... ─ Falava de forma atropelada, gesticulando com todo meu corpo até ser segurada por Frederico, me impedindo de derrubar a porta 19 com um chute.

─ Não faça isso bebeta! o moço é novo... foi um dia longo de mudança, ainda ofereci um almoço a ele mas ele só saiu para beber café.

─ Mas isso ainda não é motivo para ele me ofender. ─ Aumentei o tom de voz sem perceber, me envergonhando logo em seguida. ─ Mas tudo bem, irei confiar em sua palavra e vou diminuir o barulho... Realmente já ia começar a estudar... Agora, senhor Frederico, que o xilique desse 'pivetinho' não continue. Eu estou no meu direito como moradora.

─ Obrigado por entender bebeta... Tenha uma boa noite de sono e perdoe-me qualquer coisa. ─ O senhor simpático era como uma figura familiar para mim, a tanto tempo que o conhecia que aquele cenário me deixava triste.

─ Não se desculpe, Frederico! você so fez seu trabalho, perdão por ter me exaltado. Tenha também uma boa noite de sono! ─ Me despedi com um abraço apertado no grisalho e fechei novamente a maldita porta de minha casa.

Meus lábios não paravam quietos de tantos xingamentos e resmungos que eu jogava para o ar. Qual a dificuldade de bater em minha porta e conversar cara a cara comigo? não precisava daquelas ofensas malditas.
agora já sabia que o novo morador era tudo menos o que eu tanto pedi.

Início de semestre, o terror está de volta. Dormir no tapete da sala não é um dos locais mais indicados para descansar na noite anterior da famosa 'volta às aulas', e minhas costas concordavam com isso.

─ Meu Deus, eu tenho vinte e um anos de idade ou vinte e um anos de INSS? ─ Perguntava para mim mesma enquanto me levantava.

Para meu azar maior, o clima lá fora estava um temporal absurdo... Eu poderia ir nadando para faculdade. Cruzei meus dedos para que enquanto eu tomava banho, me arrumava e comia algo fosse tempo suficiente para parar de chover
mas isso não aconteceu, a chuva só piorou.

Eu com certeza faltaria se não estivesse precisando pegar uns livros na biblioteca, então apenas joguei meu material ainda espalhado na bolsa fui enfretar meu destino.

   O vento era tão forte que quase levava meu guarda-chuva vermelho de bolinhas, provavelmente faltaria energia no bairro inteiro neste dia pela força da água, e o pior que esse não era o único do meu problema... Eu tinha certeza que uma figura masculina me seguia, desde que eu saí do prédio o cheiro forte amadeirado indicando um perfume intenso e a silhueta alheia quando eu tentava observar de canto do olho me deixava intrigada. Comecei a acelerar meus passos, e o pior, eu tinha quase certeza que já havia sentido aquele cheiro, o que fez pensar que estava sendo seguida a muito tempo.
   Quando virei rápido olhando para trás o homem não estava mais ali, e tinha tantas pessoas na rua que me trouxeram tranquilidade e pude seguir normalmente meu caminho.

LUZ DO LUAR ── Enzo VogrincicOnde histórias criam vida. Descubra agora