Listen in awe and you'll hear him

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Lupita desperta de um sono agitado e repleto de pesadelos na manhã seguinte. Ela se encolhe sob as cobertas ao sentir o quão frio está no quarto, e, ao olhar para a lareira, vê que o fogo há muito se extinguiu. Roberta não está no cômodo.

Ainda um pouco desnorteada, ela se levanta, calça suas botas, e, enrolando uma das cobertas em volta de si como um xale, sai à procura da ruiva, tremendo de frio.

Ela a encontra num dos cômodos pelo qual tinha passado na noite anterior, um salão de jantar, com uma comprida mesa disposta no centro, cercada de cadeiras elegantes. Roberta está sentada na ponta da lateral direita, uma xícara à sua frente sobre a mesa, ao lado de um bule claramente caro. Pequenos sinais do título da falecida mãe de Roberta, deixados para trás junto com sua filha. A ruiva está com um livro aberto sobre a mesa, aparentemente absorta na leitura.

“Bom dia,” diz Lupita, sua voz baixa. Roberta apenas ergue os olhos pra ela e responde com um grunhido mal-humorado em concordância, voltando seu olhar para o livro.

Ela fica parada ali, de pé, sem ter certeza do que fazer, até que Roberta lhe direciona o olhar novamente, e diz, com seu tom desdenhoso habitual:

“Pode se sentar, você sabe. Eu não vou te morder.”

Lupita hesita por meio segundo antes de se sentar na cadeira oposta a ela, e começa a encarar a mesa, sem jeito.

Roberta parece tão perdida quanto ela. Claramente não está acostumada a ter companhia há anos.

“Gosta de café?” Pergunta ela, colocando a mão na nuca, sem olhar diretamente para Lupita. A garota assente com a cabeça. “Vou buscar uma xícara pra você.”

A ruiva se levanta, e, momentos depois, volta com uma xícara e um pires idênticos aos seus, colocando-os na frente de Lupita. Ela enche a xícara de café e retoma seu lugar à mesa.

“Não tenho açúcar,” resmunga ela, dando um gole em sua própria xícara, “Não tomo café adoçado. Desculpe.”

“Não tem problema,” murmura Lupita em resposta, e beberica o café com cuidado, tentando não queimar a boca, “Obrigada.”

As duas continuam num silêncio desconfortável, Lupita encarando a mesa e Roberta olhando para o livro – mas claramente distraída demais para continuar a ler, pois ela nunca vira a página – até que Lupita encontra a coragem para mencionar algo que tem estado em sua mente desde a conversa da noite anterior:

“Posso te perguntar uma coisa?”

Roberta ergue seu olhar para encará-la, o sorriso torto novamente em seu rosto.

“Você acabou de me fazer uma pergunta, não?” diz ela, e Lupita resolve ignorar o comentário.

“Por que você nunca foi a Electi nos contar que os sacrifícios não eram necessários?”

Roberta fecha a cara na mesma hora.

“Você acha que eu não pensei nisso, princesa?” suspira ela, fechando o livro, “Infelizmente, eu tenho bom senso. Se uma maluca que vive na floresta aparecesse em Electi dizendo que era a tal ‘fera’ e que os sorteios eram inúteis, na melhor das hipóteses não acreditariam nela, e, na pior, a matariam na mesma hora. Eu posso ser um monstro, mas pode apostar que não estou disposta a morrer por ninguém. A decisão de sacrificar seu próprio povo, sem nenhuma prova de que isso ajudaria, foi de Electi, não minha.”

Lupita sente a irritação familiar com o desdém da ruiva aparecer novamente.

“Como você pode ser tão fria?” pergunta ela, franzindo o cenho, “Você não se importa com as pessoas que morrem porque pensam que têm de morrer?”

Savirroni - Bark at the MoonOnde histórias criam vida. Descubra agora