CAPÍTULO 2 - PRIMEIRO DIA

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Malditos sejam os Bürsin, não era exatamente o que eu esperava. Levei anos para estudar cada reação, cada expressão de Pamir. Apenas o conheci umavez, numa festa da empresa onde Baris trabalhava, em que apareceu rapidamente para nos cumprimentar. Era cativante, elegante e educado. Estava longe de ser o homem que vi em casa e matar alguém. Passei dias me perguntando, o por que ele fez isso? Mas não havia nada que eu pudesse desconfiar. Baris nunca dividia os problemas de seu trabalho comigo.

 Apesar de tudo, assim que o vi naquela sala, ele não mudou a sua postura, imaginei se era assim com todos ou só com mulheres do seu interesse, seus olhos muito claros eram misteriosos e sombrios. Pensei que ao entrar para falar com seu filho seria mais fácil persuadi-lo. Estava enganada quanto a isso. Kerem era difícil de decifrar, não era como a postura de seu pai, transparente como água, sem precisar se esconder. Da maneira que me olhava e a forma como poderia me intimidar, era como se quisesse entrar na minha mente para descobrir o que eu iria fazer ou o que eu estava pensando, mas para mim não passava de simples gestos. Não me acovardei, apenas me mantive no mesmo nível, como se eu também fosse capaz de intimidá-lo. 

Amanhã eu teria que estar as nove em ponto na empresa Bürsin. Pelo menos seria um trabalho digno do que já fiz até agora.

Hoje aproveitaria o resto do dia para desfrutar, passando no mercado para comprar ingredientes para meu filé de peixe ao molho branco, ou quem sabe finalizar minha noite com um vinho barato. Eu não poderia me dar o luxo de gastar muito, sempre que precisava comprar algumas coisas pesquisava por preços, pegava os mais barato ou o que estava em promoção. Com roupas eu tivesorte em encontrar um brechó com peças bem conservadas. 

De Tekirdağ para Istambul é mais de quatro horas de viagem de ônibus. Pesquisei por hotéis que iria ficar até achar um emprego como garçonete em restaurantes, lanchonetes e até mesmo em bares. Trabalhei em dois turnos todos os dias. Em restaurantes mais sofisticados, observava a maneira impecável que homens e mulheres se vestiam e comiam. Os clientes masculinos exalavam sexo ao me ver, usava meu modo educado de uma maneira que podia ganhá-los com gorjetas só por servi-los, mesmo me irritando em ir a suas mesas diversas vezes para ouvir palavras sujas e repugnantes, até mesmo aqueles que estavam com suas esposas do lado, podiam até não falar, mas faziam gestos ou procurava um pretexto discreto para me tocar.

 Com o dinheiro procurei por um quarto para alugar. Na primeira vez consegui numa pensão em um quarto pequeno e confortável, porém na semana seguinte o dono com dentes amarelados e cabelos grisalhos tinha aumentado o valor informando para mim, caso não tivesse a quantia não se importaria detrocar por prazeres na cama. No mesmo dia sai do lugar pegando meu dinheiro,como adiantamento, de volta. Na segunda vez, aluguei outro quarto, mas o cheiro insuportável de cigarro do vizinho me incomodava relembrando meu passado. Quando Baris se sentia exausto em me bater seguia para sala com seu cinzeiro e fumava quase um maço inteiro, eu tinha que retornar a limpar a casa mesmo machucada para tirar algumas bitucas jogadas no chão e expulsar o cheiro de dentro com algum incenso assim que ele saia no dia seguinte para trabalhar. 

Esse era meu terceiro local para morar, uma outra pensão. O valor foi generoso comigo, mesmo sendo um lugar velho e acabado com paredes desgastadas e piso sujo. Uma semana antes o lugar com três cômodos parecia mais um porqueiro do que um lugar abandonado.

 Há uma cozinha um pouco espaçosa, um banheiro e um quarto. Os móveis estavam muito sujos e quebrados. A pequena geladeira que por milagre funcionava só teve que ser limpa. Comprei tudo que precisava depois de analisar e comecei meu trabalho doméstico nos dias das minhas folgas e nas noites depois do trabalho. Lixei as paredes e assim que terminava de consertar um móvel colocava no lugar, ou aqueles que eu não sabia o que fazer deixava de canto para saber o que faria mais tarde. Pintei as paredes com cores laranja e branco enfeitando com alguns adesivos e quadros para mostrar mais conforto. Na única janela da cozinha preguei uma simples cortina de pano no tom branco como destaque sobre a parede alaranjada. A velha e pequena mesa se escondia por baixo de um pano com desenhos de flores, sem cadeira, eu não tinha cadeiras. O fogão velho enferrujado foi limpo, mesmo assim as marcas de maus tratos não se resolveram e funcionavam somente três bocas depois de uma limpeza profunda. Aproveitei o espaço da cozinha para fazer uma divisão com uma sala. Comprei um sofá inflável e o coloquei encostado perto da janela e fiz de um caixote uma mesinha de centro forrada com um pano branco. No meu quarto lavei e usei os panos que envolviam os móveis da cozinha como forro para minha cama de solteiro junto com um lençol limpo que comprei na loja no tom vermelho, para combinar com o tom da cor da parede que havia lixado e pintado, consertei o armário de gavetas para guardar minhas roupas e coloquei meus sapatos na parte de baixo. O banheiro estava em um estado lastimável, agradeci pela privada não estar entupida, mas tanto a privada quanto a pia eram cheias de manchas de ferrugem, tanto dentro quanto fora e até mesmo no chão. Tive que tirar com um produto removível com muito esforço para deixar impecável e sem o mal cheiro. Banheiros imundos lembravam-me da prisão e dos bares. Substitui o espelho quebrado por um barato. Para finalizar minha limpeza, comprei um box de cortina de plástico e usei copos descartáveis para colocar pasta de dente e escova. O único problema que eu não podia resolver era a falta de água que acontecia devido ao uso incontrolável dos inquilinos. Para não ter mais dor de cabeça usei os três baldes de tinta vazios e limpos, enchendo-os de água para conservar. Por fim, limpei o piso de madeira até meus braços doerem e toda a sujeira desaparecer, e retornando para encera-los até ver o brilho da luz. Arrumei, consertei e refiz a parte elétrica, que estava um caos, aliás todo o lugar estava um caos. Na porta de entrada que rugia usei óleo de cozinha expulsando o barulho velho e desgastante das dobradiças. Foram uma semana e três dias na madrugada de muitos esforços. 

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